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Carta de quaresma 2021 a todos os irmãos do mundo. Eric LOZADA
Mas agora, declara Yahvé, volta a mim com todo teu coração, jejuando, chorando e lamentando-te. Rompei vossos corações e não vossos vestidos, e volvei a Yahvé, vosso Deus, porque êlel é clemente e compassivo, lento para a ira, rico em amor fiel, e se arrepende de infligir desastres. (Joel 2,12-13)
Todos nós, quando fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados em sua morte. Por nosso batismo em sua morte, fomos sepultados com ele, para que assim como Cristo ressuscitou de entre os mortos pelo poder glorioso do Pai, também nós devemos começar a viver uma nova vida … [ ] nosso eu anterior foi crucificado com ele … [ ] e agora a vida que vive é a vida com Deus. Da mesma maneira, devéis ver a vós mesmos como mortos ao pecado mas vivos para Deus em Cristo Jesus. (Romanos 6,3-11)
Saudações a todos vós, meus queridos irmãos!
Em quanto vos escrevo, tenho presentes cada um de vós e as complicadas realidades que cada um de vós encontra devido a esta crise global. Parece que a pandemia nos está revelando nossas fortalezas e nossas debilidades, nas relações pessoais, nacionais e globais, nos âmbitos económico, político e religioso. A pandemia é um momento de grande revelação, como diz o P. Richard ROHR e como parece dar a entender o Papa Francisco em quanto se involucra numa reconstrução sistemática de nossas estruturas globais em Fratelli Tutti. Não desejo acrescentar nada ao seu magnífico trabalho. Antes bem, pretendo situar nossa celebração da Quaresma com o que a pandemia revela e ensina a nosso mundo. Gostava de visualizar a celebração da Quaresma como uma viagem em espiral descendente: quanto mais nos adentramos, mais vemos o que se esconde nos corações humanos e nas subculturas de nosso mundo que nos retêm como reféns na masmorra do pecado, o medo, a indiferença, violência. Se todos empreendemos esta viagem juntos com honestidade e firme resolução, chegaremos ao fundo no que se originam todas as mentiras do pecado, os enganos e distorções deste mundo. Este é nosso sepulcro com Cristo, como diz São Paulo, onde nosso homem velho é sepultado com Cristo para que o Pai possa dar á luz uma nova vida em nós, em Cristo. É minha esperança que ao fim de nossa viagem de quaresma de 40 dias através da Páscoa, como os apóstolos depois da ressurreição, todos caminhemos com renovada alegria e coragem clamando a mensagem do amor e a felicidade de Deus para nosso mundo.
Nossa viagem começa com aquilo que propõe o profeta Joel: “Volta”, “volta-te a Deus com todo teu coração”. Começamos a viagem com uma pergunta: De quem sou? A quem se dirige o mundo? Se dermos um olhar demorado e amoroso ao mundo e a nós mesmos, parece que o mundo, nós, temos muitos deuses falsos (manifestos o ocultos) aos que adoramos, cuidamos, damos todo nosso tempo e energia. Nossa sociedade aditiva parece ter formas de idolatra profundamente enraizadas, substituindo o verdadeiro Deus de nosso mais profundo anseio pelos falsos deuses da vida superficial. Por isso, o Profeta recomenda jejuar, chorar e lamentar.
Necessitamos jejuar daquelas coisas que alimentam nossas mentes e corações todos os dias, que são tóxicas e não derivam dos valores do Evangelho. Necessitamos chorar pela violência, a injustiça, a indiferença, a cobiça deste mundo porque, de maneira muito sutil, estamos operando sob seu feitiço. Lamentamos os erros do passado e aprendemos a não os repetir. São Paulo chama isto um batismo em Cristo, que é também um batismo em sua morte. Nosso batismo é nossa iniciação e nossa comunhão no Mistério Pascal. A que coisas estamos dispostos a morrer por Jesus e o Evangelho? Necessitamos dar nome a nossa morte. E na passividade de nossa morte em Cristo, a obra redentora do Pai em nós e em nosso mundo nos restaura á vida original de graça.
Quando morremos conscientemente ao velho eu, o eu que está escravizado pelo pecado, nos tronamos livres e vazios de nós mesmos, mas vivemos plena e autenticamente na nova vida de Cristo e em Cristo
E assim, queridos irmãos, que todos nos comprometamos nesta viagem da escravatura á liberdade, do medo á confiança, da escuridão á luz, do pecado á graça. Que este caminho seja nosso humilde mas sincero presente ás pessoas que nos foram confiadas e a nosso mundo angustiado, fragmentado e violento.
Permiti-me expressar também meu profundo reconhecimento por vosso humilde testemunho do Evangelho e o zeloso cuidado pelos pobres nos próprios lugares de trabalho, especialmente neste momento da pandemia. Meu agradecimento a nossos irmãos que escreveram os cinco textos e aos tradutores desses textos. Tinham o propósito de preparar-nos espiritualmente para a canonização do irmão Carlos. Permiti-me convidar aqueles que não leram e refletiram sobre esses textos, a aceder a eles em nosso site www.iesuscaritas.org . E para aqueles que sim o fizeram, continuem voltando a eles.
Complementando nossa viagem de Quaresma, pensei em introduzir o processo de renovação. Em minha correspondência com o cardeal STELLA da Congregação para o Clero, foram-me colocadas importantes questões sobre como somos em termos de nossa fidelidade ao carisma do irmão Carlos e como estamos crescendo em missão como sacerdotes diocesanos inspirados por sua espiritualidade. Destas conversas nasce a ideia de elaborar um inquérito global. Em vez de responder a estas perguntas sozinho, pensei em todos nós juntos numa aventura de encontrar e recuperar nossas preciosas gemas que podem estar ocultas para nós, mas que continuam inspirando-nos. Proponho um processo em duas fases.
A primeira fase se centrará mais nos factos. Aqui, faço um chamamento aos irmãos responsáveis locais, nacionais ou regionais e continentais para que realizem a obra principal. Vós, irmãos responsáveis locais, deveis proporcionar-nos dados de vossa fraternidade local sobre quantos são os membros regulares e outra informação importante. Quando chegar o formulário do inquérito, leiam-no detidamente. Tende em conta que os dados que estais proporcionando a nossa fraternidade global sejam certos. Uma nota sobre os membros regulares. São irmãos que estiveram participando regularmente na reunião mensal durante ao menos um ano ou estiveram conectando-se digitalmente com vós ou com algum dos irmãos da fraternidade local. Se o irmão está num lugar longínquo mas se conecta regularmente, ainda poderia ser um membro regular. Irmãos que estão interessados em nossa espiritualidade mas que no puderam comprometer-se a assistir regularmente ás reuniões ou manter correspondência regular, chamam-se “simpatizantes”. A chave é o compromisso. O formulário do inquérito chegará de vosso responsável nacional ou do país. Tendes um prazo de duas semanas para preencher o formulário e o devolver a vosso responsável nacional ou regional. Vos agradeço sinceramente vossa generosidade.
A segunda fase será alguns meses ou um ano depois. O processo será como uma revisão comunitária de nossas vidas sobre como estamos crescendo em termos de nossa fidelidade ao carisma do irmão Carlos e como estamos crescendo em nosso zelo missionário como sacerdotes diocesanos inspirados pelo irmão Carlos.
Muito obrigado, queridos irmãos. Por favor, sabei que continuo tendo vosso continente e vosso pais em minha oração. Tende a bondade de me segurar também em vossa oração. Preciso disto.
Com alegria fraterna,
Eric LOZADA, responsável internacional
Dumaguete, Filipinas, fevereiro 2021
TUDO É GRAÇA. A última carta de Antoine CHATELARD
Tudo é graça! Acolhemos o Natal e o ano novo ao mesmo tempo que o Covid-19. Édouard e Paul-François testaram positivo, Immanuel e eu negativo, ontem à noite, segunda-feira, logo depois da visita de uma sobrinha de Édouard que veio de Paris em 16 e 17 de dezembro. Por isso nos organizamos diante de uma situação nova, sem saber o que virá nos próximos dias.
Obrigado por suas notícias e suas felicitações de fim de ano. Quase todas elas chegam a mim após um silêncio que pode ser explicado pelos acontecimentos deste ano tão especial, que desafiam hábitos e relacionamentos normais. É também uma nova forma de reviver a nossa história ao longo dos anos que deixaram marcas com as celebrações de personagens históricos que não marcaram a minha história enquanto estive longe da França e sem possibilidades de informações, as quais nós temos agora.
Para aqueles que têm dúvidas sobre meus trabalhos e meu novo livro, devo dizer que ele não será lançado antes que a data da canonização seja anunciada, obviamente por razões comerciais. Ele está na editora há mais de um ano, e só falará sobre Charles de Foucauld em Tamanrasset, começando pelo histórico em Asekrem, onde ele permaneceu apenas alguns meses em 1911 e que continua sendo uma fonte de perguntas sobre suas reais motivações. Segue-se um capítulo sobre suas ocupações no ano seguinte em Tamanrasset (1912), típico de sua concepção dos assuntos mundiais. O capítulo 3 se limitará às suas únicas passagens programadas em Marselha em 1913, com um jovem tuaregue, que nunca foi mencionado antes, mesmo nos livros mais recentes. Finalmente, no último capítulo, o único dia de 1/12/1913 em Tamanrasset nos permitirá vê-lo ao vivendo seus vários trabalhos, e tentando seguir sua programação revisada e corrigida.
Esta será apenas uma introdução a outros assuntos que merecem esclarecimentos e ainda podem nos revelar uma forma de santidade nem sempre evidente. Soube há pouco que nosso Papa Francisco não se contentou em concluir sua encíclica Fratelli Tutti falando do Irmão Carlos, mas que, também ofereceu uma biografia desse futuro santo aos membros da Cúria Romana, sem dizer de qual livro se refere. Ao concluir a “Fratelli tutti”, mencionando nosso irmão Carlos, ele me encorajou a continuar meu trabalho para mostrar com mais detalhes como era sua vida fraterna com os homens e mulheres que ele amava, não apenas pelo tempo de um dia, mas todos os dias, durante os últimos anos de sua vida. São centenas de pessoas que vieram ao [lugar] que ele chamou de “a fraternidade” quando ele ainda sonhava em reunir discípulos, mas onde ele esteve sempre sozinho.
Nos primeiros anos, ele apenas anotava os nomes dos destinatários de suas esmolas e seus pequenos presentes em folhas soltas que não se encontram nas edições de cadernos. Não é sem importância porque nos faz conhecer centenas de pessoas que conhecemos, desde os primeiros anos. Por outro lado, nos últimos três anos ele anotou os nomes deles, e percebemos que alguns vieram centenas de vezes. Esses números são importantes para entender a importância dessas visitas recebidas, além daquelas que ele fará entre uns e outros.
Ele, que nos primeiros anos não saía mais de cem metros, já não hesita em viajar quilômetros para visitar os doentes, mas também para visitar a sua nova casa ou para ver seu jardim, enquanto vivia muito ocupado com seu trabalho linguístico, com seus momentos de oração e com uma correspondência muito abundante. Gostaria de mostrar que ele nada fez para convertê-los, mesmo que falasse disso algumas vezes, mas sente-se no dever de trabalhar pela salvação deles como se fosse a sua, amando-os como eles são e como Jesus os ama. É assim que a preocupação pela salvação de todos se exprime nas listas diárias, anotadas em seus cadernos, e também nos seus raros escritos pessoais ou em suas muitas cartas.
Então, aprendo a contar essas pessoas, surpreso ao descobrir que muitas ainda estavam vivas quando cheguei a Tamanrasset e Asekrem em 55 e até muito mais tarde.
Certamente ele ainda tem algo a dizer à nossa Igreja e ao mundo, mesmo que não seja novo. O reconhecimento oficial e universal da sua santidade será um bom conforto para todos aqueles que se referem a ele em todo o mundo e especialmente entre os bispos, sacerdotes e leigos, religiosos e religiosas que se deixaram inspirar por ele e que já faleceram, depois de ter cumprido sua missão no mundo. [Este reconhecimento] será, acima de tudo, um apelo aos jovens que já não se interessavam mais por este testemunho de outro século.
Sim, obrigado a Francisco, nosso Papa, que poderia ter terminado citando novamente Francisco de Assis e que nos falou de Carlos como se ele lhe tivesse um papel importante no futuro da Igreja e do mundo, após a pandemia universal, que atrasa sua canonização. Nunca falamos tanto sobre nosso bem aventurado como recentemente, com a morte do bispo Dom Teissier, em seu dia de festa. O Embaixador da Argélia na França exprimiu-se numa linguagem profética, fazendo dele um santo, e sobretudo um compatriota. A canonização não acrescentará muito a essas cerimônias em Lyon e em Nossa Senhora da África. Muitos viram a Revista “En Dialogue” com nº 14, sobre Carlos de Foucauld e os muçulmanos, divulgada pouco antes desses acontecimentos.
Devo admitir que o envelhecimento não melhora minhas possibilidades de mobilidade, mesmo dentro de casa e apesar das sessões de fisioterapia ao ar livre. Estes compromissos diários me ocupam mais do que o meu trabalho sobre Foucauld, e a perspectiva muito distante de ver o meu livro ser publicado não me encoraja a trabalhar, mesmo que as perguntas de toda a parte, incluindo Tamanrasset e outras partes da Argélia, me obriguem a responder sobre detalhes que não me afastem de sua história.
A todos um feliz Natal e um melhor Ano 2021
Antoine
(Deutsch) (PL) List na Zeslanie Ducha Swietego do Braci, Eric LOZADA, PanteC.2020
Carta de Pentecostés 2020, Eric LOZADA
“Vem Espírito Santo, enchei os nossos corações e enviai do céu o raio de luz! Vem a nós, Pai dos pobres, vem distribuidor de dons, vem luz dos nossos corações. Consolador soberano, doce hóspede de nossas almas, … vem encher, até a profundezas, o coração de todos seus fiéis, lave o que está sujo, irrigue o que está árido e cure o que está ferido. Dobre o que é rígido, aqueça o que é frio e endireite o que está torto” (de Veni Sancte Spiritus).
Irmãos bem amados,
rezo com vocês esta oração ao Espírito Santo, com muita atenção no mais profundo do meu coração. O coronavírus nos forçou a parar e apreciar profundamente o que aconteceu local e globalmente, o que nos levou a esta situação que estamos vivendo agora, para que o Espírito possa nos guiar por caminhos novos e criativos. A pandemia nos ensina que nosso mundo precisa ser renovado, caso contrário todos nós pereceremos. Nossa consideração por cada pessoa humana, e pelos sistemas operacionais familiares, pelas comunidades vizinhas, pelas escolas, igrejas, religiões, política, economia, tecnologia, mídia social, nossos cuidados com nossa Mãe, a Terra, tudo isso deve ser refundado em princípios mais universais e inclusivos, equitativos, menos condenatórios e contraditórios, para que possamos progredir novamente como uma civilização do amor e da vida.
Mais uma vez acolhemos o Espírito em Pentecostes, mas, de alguma forma, esquecemos que o Espírito existe desde o início, segundo o Gênesis (cfr. Gn 1,2). O movimento do Espírito sempre foi trazer de ordem em meio ao caos, dar vida, levar-nos a toda a verdade, ensinar-nos tudo o que precisamos saber (cfr. Jo 16,13). Mas o mesmo Espírito sopra onde quer e não podemos dizer de onde veio ele vem nem para onde vai (cfr. Jo 3,8). Nossa teologia, nosso pensamento e nosso planejamento bem calculado não podem prever nem obstruir o caminho do Espírito. Ele nos surpreende sempre, ampliando nossa visão e libertando cada vez mais nossos corações de todos obstáculos, para que sejamos livres para Deus em nosso mundo. Assim como não podemos ver o ar e o silêncio, o Espírito Santo renova o nosso mundo de uma maneira que ultrapassa nossa visão. Temos apenas de estar presentes em sua presença em todos os momentos.
Nosso mundo, incluindo nossa Mãe Terra, está no momento do parto, dando à luz aquilo que será o futuro após a pandemia. A grande mística Julienne da Inglaterra, em sua 13ª revelação, diz: “Tudo ficará bem e todo tipo de coisa ficará bem”. Ela explicou isso para que estejamos alegres em todas as circunstâncias, mesmo desfavoráveis, porque no último momento Cristo recapitulará todas as coisas. Precisamos ter cuidado com a forma como recebemos essa mensagem. Isso significa simplesmente cruzarmos os braços e ficar esperando tudo de Deus? É um tipo de teologia suave que promete maná do céu em meio ao nosso sofrimento?
A pandemia nos ensina a ter esperança. A esperança é a nossa capacidade de colocar o futuro nas mãos do Deus de amor. A esperança não é algo fácil; é uma luta!. Lutamos porque parece que o mal, a tirania, a violência, o medo, a morte dominam mais do que a bondade, a paz, a unidade, o amor, a vida. A resposta de Deus ao mal está oculta no Cristo ressuscitado. Ele não salvou seu Filho do momento crucial do sofrimento, mas o justificou com uma vida nova, depois que passou o desamparo, o medo, a violência e a morte. Ao final de contas, Deus nos justificará e mostrará ao mundo, e a todos os seus sistemas, o quão equivocado estavam de várias maneiras (cfr. Jo 16, 8).
Mas temos que tomar uma decisão. Diante do mal e do sofrimento, permitiremos que nossos corações sejam dominados pelo medo, o desespero, a indiferença, a amargura, a raiva e a decepção, ou seremos mais abertos, receptivos, cheios de amor, perdão e vida? O Espírito renova nosso mundo e toda a criação de uma maneira mais paciente, amável e humilde. Somos convidados a não contrariar o seu caminho, mas a seguir os desígnios de Deus para o nosso mundo.
Então o que devemos fazer? Quais são as possibilidades e os desafios que nos são dados e que devemos enfrentar com renovada coragem e esperança? Alguém disse uma vez: “Hoje não precisamos de homens grandes com corações pequenos, mas de homens pequenos com corações grandes, porque apenas os pequenos e os minúsculos podem passar pelo buraco de uma agulha’. Pequenos atos de bondade realizados com corações comprometidos e dedicados. Hoje em dia, nosso novo princípio é a necessidade de voltar ao essencial da vida segundo Evangelho, às obras de misericórdia corporais e espirituais.
Nosso próprio Irmão Carlos nos deixou uma espiritualidade: imitar Jesus em Nazaré, procurar o último lugar, viver simplesmente, fazer o apostolado de bondade para uma pessoa de cada vez, ser irmão e amigo de cada pessoa, independentemente de cor, crença, de status, ser próximo dos pobres. O Papa Francisco nos exorta a ir para as periferias, ser anunciadores da alegria do Evangelho, a proteger os menores e os adultos em situação de vulnerabilidade, a comprometer-nos com a formação permanente, a proteger nossa Mãe Terra, nossa casa comum. Devemos, também, retornar com novo entusiasmo aos elementos básicos de nossa prática espiritual: adoração cotidiana, meditação diária do evangelho, revisão da vida, dia mensal do deserto, encontros de fraternidade. Renovamos nossa fidelidade à estas práticas não para aperfeiçoarmo-nos, mas para assumir uma maior responsabilidade pelo dom recebido e permitir que seus frutos fluam para os outros infinitamente, até que Deus seja glorificado em suas próprias vidas.
Irmãos, neste período de pandemia recebemos um presente especial de nossa Mãe Igreja: o decreto de santidade do irmão Carlos. Com os outros membros da família espiritual, incluindo aqueles que foram inspirados pelo irmão Carlos, mas não são membros “canonizados” da família espiritual, agradecemos ao Espírito por esse presente.
Esperamos e rezamos para que a vida, a mensagem, as intuições e a herança do Irmão Carlos estejam mais disponíveis e sejam uma inspiração para muitas pessoas, conforme a vontade do Espírito. Por nós mesmos, rezemos por maior determinação em testemunhar com nossas vidas e nosso ministério aquilo pelo qual o Irmão Carlos viveu.
Termino minha carta com oração coleta da missa de hoje: “Pai, santifique sua Igreja entre todos os povos e todas as nações; derrame os dons do Espírito Santo na imensidão do mundo.”
Muito obrigado. Continuemos rezando uns pelos outros e rezemos também pelo nosso mundo. Por favor, rezem por mim também.
Seu irmão e servidor responsável,
Eric LOZADA
Filipinas, 21 de maio de 2020
PDF: Carta de Pentecostés do responsável internacional, Eric LOZADA, Pentec.2020, port
(Tradução de Carlos Roberto dos Santos)
Carta de páscoa 2020 aos irmãos do mundo inteiro. Eric LOZADA
Filipinas, 12 de abril de 2020
Eu ressuscitei e estou com vocês. Aleluia. (cf. Sl 139,18)
Queridos irmãos,
Como muito de vocês, estou vivendo em quarentena, e é daqui, deste meu eremitério, que escrevo para vocês. Este claustro imposto é um excelente convite para a adoração diária, para a meditação do Evangelho, para o dia de deserto, para a revisão de vida, para rezarmos pelo mundo, em particular pelos pobres, com fidelidade, intensidade e concentração. Uma vida de solidão e oração de qualidade é nosso humilde ato de caridade para com nosso mundo que vive esta pandemia.
Olhando pela minha janela, observo os sinais de uma nova vida na natureza. Aqui está seco e úmido, no entanto, os pássaros estão tocando e cantando seu único repertório de canções, as borboletas voam lentamente de flor em flor em busca de néctar, as árvores estão verdes e dão sombra, apesar do calor escaldante. É maravilhoso como a natureza tem sua própria maneira de anunciar a ressurreição. Sem preocupações e abandonando-se completamente em Deus que cuida dela.
Nós, humanos, deveríamos ser uma raça superior por causa de nossa razão, mas esta mesma razão tem enfraquecido sistematicamente nossa confiança em Deus no dia a dia, e acabamos confiando mais em nosso pensamento egoísta. Esta forma de pensar tem sido a causa da violência, do ódio e da desconfiança. A ressurreição oferece o perdão, o amor e a confiança. O mundo deve escolher.
Estamos em quarentena comunitária até o dia três de maio, mas os padres tem passe livre para trabalhos litúrgicos e de caridade. Eu os utilizo todos os dias para visitar pessoas que me convidam a acompanhar os moribundos e as famílias enlutadas, para facilitar o diálogo nas famílias e dar comida e dinheiro àqueles que foram demitidos de seus trabalhos. Alguém me pediu para dar atenção a estas pessoas desamparadas, principalmente porque elas não podiam ir à igreja e rezar. A Presença, levada pela minha presença no meio delas, é um bálsamo que as conforta.
Ao mesmo tempo, estou tendo muito cuidado, seguindo os protocolos de higiene e distanciamento para não prejudicar ainda mais a comunidade. Hoje de manhã, meu amigo Lemuel chegou ao eremitério com muita fome, parecendo abatido, pedindo comida para seus quatro filhos famintos. Lemuel foi demitido. Enquanto lhe dava alguma coisa para comer, me senti abençoado por sua alegria, mas também senti a incerteza em seus olhos.
Após a oração desta manhã, dou uma longa olhada no mapa que está na minha parede. Meus olhos se fixam sobre os quatro continentes: África, Europa, Ásia e Américas. O vírus é realmente um grande equalizador, porque os países ricos e pobres estão sofrendo da mesma maneira. Vejo rosto de médicos, enfermeiros, pacientes e suas famílias, preocupados, assustados, mas lutando pela vida. (Enquanto lhes escrevo, recebo a notícia que minha irmã, que trabalha como enfermeira nos Estados Unidos, testou positivo para Covid19. E agora sua família está em risco).
O mundo está vivendo sua paixão. Vejo rostos desamparados, preocupados, com medo, tristeza, ódio e violência em todos os lugares, e com múltiplos disfarces. Eu me pergunto: qual é a mensagem de Cristo ressuscitado para o nosso mundo hoje? O que Deus convida-nos a ver? Até onde isso nos levará? A ressurreição significa que Ele vai nos salvar de tudo isso? Qual é a resposta de Deus ao seu povo diante de uma pandemia? Como devemos ouvir a doce mensagem da ressurreição diante de tantas notícias avassaladoras de morte, sofrimento e conflito? Onde está o caminho da esperança e de uma vida nova nestes momentos difíceis?
Irmãos, por favor, sofram comigo estes questionamentos. Eu preciso de vocês, nós precisamos uns dos outros, as pessoas precisam de nós. A ressurreição não é uma alegria barata nem palavras doces para nos salvar de nosso sofrimento. Nós devemos abrir nossos ouvidos e alargar nossos corações para compreender a Mensagem. Lutamos com Deus por respostas, mesmo que a resposta d’Ele esteja escondida em Seu silêncio.
Acho que a leitura do relato da ressurreição segundo São João, deste ano, é um Kairós. Certos detalhes do texto de João poderiam ajudar-nos a ver e ouvir a Mensagem. Como não sou muito bem formado em hermenêutica bíblica, confio em uma reflexão orante do texto. Por favor, sejam generosos se isto lhes parecer ingenuidade.
Permita-me enfatizar apenas três coisas. Primeiro, João fala que a ressurreição aconteceu “no primeiro dia da semana, quando ainda estava escuro” (João 20,1a). A ressurreição irrompe dos fundamentos de nossa humanidade e do mundo, nas trevas da ignorância. Isso nos lembra a gênese, quando o mundo estava escuro e sem forma e o Espírito pairava sobre as águas escuras. Então Deus disse: “Haja luz e houve luz” (Gn 1,2-3).
Hoje, o mundo está na escuridão da pandemia. Para muitos, o futuro parece ainda mais sombrio. Como as empresas, o governo e o povo vão se recuperar? Nossos planejamentos estratégicos, nossas previsões otimistas encontrarão o remédio e a luz suficiente para nos dar um futuro brilhante? No meio desta imensa escuridão, na qual os fundamentos do mundo parecem abalados, brilha a Luz Cristo. Podemos vê-la? Ver não vem da nossa lógica humana, porque esta é facilmente derrotada pela escuridão. A luz vem do Cristo ressuscitado. Deus nos salvará deste mal? De maneira alguma, porque o mal faz o que faz. Deus salva. Ele, finalmente, reivindica a virtude, a bondade e a fidelidade enquanto atravessamos o mal e o sofrimento, exatamente como Ele fez com Jesus. Finalmente, é Deus e o Cristo ressuscitado que controlam [a vida], e não o mal e a morte. É o nosso credo. Simplesmente devemos confiar em sua verdade e vivê-la dia após dia.
Em segundo lugar, João ressalta que Maria Madalena foi a primeira a ver o túmulo aberto (Jo 20, 1b). Ela ficou triste porque ainda não conseguia estabelecer o elo entre o túmulo aberto e a ressurreição. Foi só depois de chorar que ela viu o Ressuscitado (cf. Jo 20, 11ss). É um convite a todos nós para vermos nossa realidade através da suave lente do feminino – na tristeza e nas lágrimas. Ambas preparam o coração para ver a Verdade. Hoje em dia há muita coisa que nos entristece quando olhamos nossa realidade. Estamos chorando porque, de um jeito ou de outro, fazemos parte deste mundo ferido, quebrado e violento e, de muitas maneiras, contribuímos para a existência dessa violência e destas feridas.
Finalmente, Maria contou a Pedro e João o que tinha visto. Pedro e João viram por si mesmos. Pedro viu. João viu e acreditou. Eles ainda não entendiam todo o significado da ressurreição (cf. Jo 20,2-9). Esse detalhe nos ensina que, para experimentar uma nova vida, precisamos ir ao encontro uns dos outros e caminhar juntos como uma comunidade de buscadores da verdade.
Nossa realidade é uma visão compartilhada e ninguém monopoliza o todo ou absolutiza sua parcela do todo. Todos contribuem. Cada um acredita que o outro tem algo a contribuir. A verdade nos torna humildes porque, em vez de possuí-la, é ela que nos possui. Sempre está além de nós. Então, precisamos da contribuição de todos. A verdade é um presente gratuito revelado a uma dinâmica comunidade de peregrinos que buscam com esperança. Infelizmente, em nosso mundo pós-moderno, o poder é confundido com a verdade. Assim, as pessoas se tornam arrogantes com sua parte da verdade e a absolutiza, como se fosse a verdade total. É a mesma mentalidade que cria guerra e violência. A ressurreição dá paz e perdão. Nós temos que escolher.
Irmãos, continuemos partilhando nossa busca da verdade no Senhor ressuscitado, na solidão de nossa oração e em nossas atividades fraternas e missionárias. O irmão Carlos nos mostra o caminho e também caminha conosco, em nosso desejo de seguir Jesus de Nazaré, de ser irmão de todos, viver Nazaré, estar presente no meio dos pobres, fazer a revisão de nossas vidas, gritar o Evangelho com nossas vidas, nos sentir como as ovelhas em nossa missão nas periferias, para viver o Evangelho antes de pregar.
Esta é a nossa espiritualidade como sacerdotes diocesanos que seguem os passos do irmão Carlos. É também nosso presente para o nosso mundo e para a nossa Igreja hoje. Enquanto presente, não é um mérito, mas devemos reajustá-lo constantemente pela prática.
Nisto, somos todos iniciantes e companheiros de luta, mas juntos nos encorajamos uns aos outros para continuarmos voltando à nossa prática.
Minha humilde oração por cada um de vocês. Por favor, rezem também por mim.
Eric LOZADA
(Tradução de Carlos Roberto dos Santos)
PDF: Carta de Páscoa 2020, Eric LOZADA, irmâo responsável, port
Carta de Eric. Nosso irmâo Mariano PUGA
16 março 2020
“Não verei mais o Senhor na terra dos vivos,
Não olharei os homens entre os habitantes do mundo.
Levantam e enrolam minha morada como tenda de pastores.
Como un tecedor enrolava eu minha vida e me cortam a trama” (Is 38, 11-12)
“Existe uma boa morte. Somos responsáveis da forma em que morremos. Temos que escolher entre aferrar-nos á vida de tal maneira que a morte se convirta em somente um fracasso, ou deixar ir a vida em liberdade para que possamos ser entregados aos outros como uma fonte de esperança “. (Henri Nouwen, A vida do amado)
Amados irmãos,
sentindo profundamente tanto gratidão pelo dom como tristeza pela perda, vos anuncio a passagem de nosso grande irmão, querido amigo e ícone vivo de nossa fraternidade, MARIANO PUGA CONCHA de Santiago, Chile. Ele faleceu o passado 14 de março de 2020, á idade de 88 anos. Morreu de câncer linfático.
Permíti-me honrar a irmandade de alma que tivemos com Mariano com as seguintes linhas. Meu primeiro encontro com ele foi na Assembleia Geral de El Cairo no ano 2000. Antes de sua eleição como Responsável Geral, sua presença na Assembleia foi como um virus que nos contaminava com alegria e risos com seu delicioso canto acompanhado de acordeão. Pouco sabia eu que essas canções eram dos bairros baixos de Santiago; muito jovial e empoderado e nunca deprimido. Era como um trovador cantando com seus pulmões e coração os sonhos e aspirações de sua gente de Santiago. Seu espíritu impetuoso e sua música cheia de alegria me cativaram.
Meu segundo encontro foi nos Estados Unidos em 2002. Ele estava visitando a fraternidade dos Estados Unidos, em quanto eu estava em meu ano sabático. O defunto Howard Caulkins, outro querido amigo, me propôs que, se eu ia com ele á assembleia do país em Minnesota, ele me levaria á Abadia Mepkin onde eu faria mi ano sabático como hóspede do mosteiro. De facto, viajamos juntos e lá me encontrei com Mariano de novo. Muito facilmente nos reconectamos, alma com alma, numa forma profundamente pessoal e íntima. Eu estava partilhando com ele minha crise com a Igreja, com meus demónios pessoais e com Deus e nunca me senti tão escutado. Ele simplesmente me abraçou firmemente como um irmão mais velho confortando um irmão mais novo, com lágrimas nos olhos, sentindo minha dor. Depois me sorriu com estas sossegadas palavras, “tudo estará bem”. Nos separamos com a promessa de ter-nos um ao outro presente na oração, eu para a Abadia e eu para Tammanraset.
Meu encontro mais recente com ele foi o ano passado em Cebú durante a Assembleia Geral. A 88 anos, viajar através do globo, teve um alto preço para ele. Foi hospitalizado duas vezes e nas duas ocasiões eu estive com ele. Sua sabedoria chamava-me a sair do túmulo de minhas pretensões e partilhar testemunhos pessoais. Facilmente nos reconectamos, irmão a irmão, valorando cada uma de nossas histórias, na sala de emergência (onde ele esteve 5 horas), depois dentro de seu quarto (ao qual ele fortemente resistia porque queria estar na sala comum com a gente pobre), até muito tarde. Então, com um sorriso em seu rosto, sussurrou-me, “a Assembleia já terminou e eu poderia agora ir a casa”. Voltei a casa essa noite, muito humilhado mas muito enriquecido por este comovedor intercambio, nossa revisão de vida, a qual para Mariano está no coração de qualquer assembleia de irmãos.
Permiti-me também partilhar algumas linhas que Fernando Tapia me escreveu acerca de Mariano: “Mariano foi um apaixonado buscador de Deus e um enamorado de Jesus de Nazaré. Seu encontro com ele através dos pobres dum lixão mudou sua vida para sempre. Ele deixou tudo e entrou no Seminário. Aí encontrou Carlos de Foucauld e seguiu sua espiritualidade até ao fim de sua vida. Foi Padre Espiritual e formador no Seminário de Santiago. Depois se transformou em sacerdote operário por mais de 30 anos, partilhando a vida dos pobres. Sempre viveu no meio deles. Foi seu pastor, seu defensor durante o tempo da ditadura militar de Pinochet, sofrendo a prisão 7 vezes. Promoveu uma Igreja comprometida com os pobres. Pregou muitos retiros em Chile e fora de Chile. Foi um homem de oração, alegre, próximo de todos, amigo de crentes e não crentes, um missionário nas periferias da sociedade chilena, seguindo as pegadas do Irmão Carlos. O Evangelho foi sua guia, que ele desejava gritar com sua própria vida”.
Mariano, irmão, amigo, muito obrigado. Obrigado por teu louco testemunho de um Deus louco em Jesus de Nazaré. Partilho a gratidão e a pena dos pobres de Santiago, que tu tocaste com teu testemunho. Que Jesus, o Bom Pastor, te receba para sempre em tua nova morada, essa que Ele prepara para aqueles que são fiéis.
Irmãos, eu rezo com Mariano para que, em nossas reuniões e assembleia, continuemos riscando a partilhar uns com outros nossa pobreza e vulnerabilidade. É nossa pobreza que nos une, nos qualifica e nos liberta como irmãos em fraternidade. É também o trampolim para nossa missão entre os pobres, como dissemos em Cebú. Seja também nossa humilde, mas firme resolução para partilhar a vida missionária de Jesus de Nazaré com os pobres, seguindo as pegadas do Irmão Carlos.
Com meu abraço fraterno,
Eric LOZADA
(Tradução da irmãzinha de Jesús Josefa FALGUERAS)
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