Inácio José do VALE: Pedagogia da Oraçâo

Orai sem cessar (1Ts 5,17). Atitude piedosa na prática do amor para com Deus e para o bem da humanidade.

Lugar, tempo, literaturas (principalmente a Bíblia), silêncio, deserto, meditação, símbolos, música e a direção espiritual. A pedagogia da oração é progressiva e abissal. Jamais se deve aprisionar por disciplinas rígidas, frias, letras mortas, ritos e liturgias espetaculares, no entanto, sem a luz e o fogo do Espírito Santo, tudo se torna teatro. Se educar na pedagogia da oração é viver a mais alta ciência da alma na felicidade imanente e transcendente. “A oração é algo que requer aprendizado e disciplina”, escreveu o renomado mestre da espiritualidade cristã Henri Nouwen (*).

Oração, adoração, coração e razão são conexões que fundamentam a qualidade de vida: psíquica, física e espiritual. Antes de qualquer ensino ou prática sobre a oração, sabemos radicalmente que o Emanuel está sempre conosco. Em tudo prevalece a sua onipotência diante da nossa impotência. Do Senhor Deus recebemos o dom graça e a fé para o diálogo de amor, fortaleza e numa amizade sem fim.

“Peço-vos, por favor, que façais esta experiência: todos os dias uma oração”. “Assim se vence, deste modo iremos por este caminho da santidade e da perfeição”, disse o Papa Francisco na visita à paróquia romana de Santa Maria Josefa no bairro de Castelverde, domingo, 19 de fevereiro de 2017.

Orar sempre e nunca desanimar

A oração é uma das principais formas de desenvolver intimidade com Deus. A oração de um justo é poderosa e eficaz, e ela é uma das principais armas de todo aquele que crê. Nosso Pai celestial deseja derramar sobre nós a plenitude de Suas bênçãos. É nosso privilégio beber em grande medida da fonte de amor ilimitado. Está escrito em Hebreus 4,16: “Cheguemo-nos, pois, confiadamente ao trono da graça, para que recebamos misericórdia e achemos graça, a fim de sermos socorridos no momento oportuno”. O bom Deus está atento à oração dos seus filhos. Somos abençoados e felizes porque Deus sempre ouve a oração daqueles que se aproximam com humildade e todo seu ser entregue a Ele.

Medite nesses versículos:

“Ó tu que ouves a oração, a ti virão todos os homens” (Sl 64,1-3).

“Peçam, e será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta será aberta. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e àquele que bate, a porta será aberta” (Mt 7,7-8).

“E tudo o que pedirem em oração, se crerem, vocês receberão” (Mt 21,22).

“Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros para serem curados. A oração de um justo é poderosa e eficaz” (Tg 5,16).

Então Jesus contou aos seus discípulos uma parábola, para mostrar-lhes que eles deviam orar sempre e nunca desanimar. Ele disse: “Em certa cidade havia um juiz que não temia a Deus nem se importava com os homens. E havia naquela cidade uma viúva que se dirigia continuamente a ele, suplicando-lhe: ‘Faze-me justiça contra o meu adversário’. “Por algum tempo ele se recusou. Mas finalmente disse a si mesmo: ‘Embora eu não tema a Deus e nem me importe com os homens, esta viúva está me aborrecendo; vou fazer-lhe justiça para que ela não venha mais me importunar’ “. E o Senhor continuou: “Ouçam o que diz o juiz injusto. Acaso Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele dia e noite? Continuará fazendo-os esperar? Eu digo a vocês: Ele lhes fará justiça e depressa. Contudo, quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?” (Lc 18,1-8).

Conclusão

Santo Agostinho pode nos ajudar: “Na verdade, louvamos a Deus agora que nos encontramos reunidos na igreja. Mas logo, ao voltarmos para casa, parece que deixamos de louvar a Deus. Não deixes de viver santamente e louvarás sempre a Deus. Deixas de louvá-lo, quando te afastas da justiça e do que lhe agrada. Mas se nunca te desviares do bom caminho, ainda que a tua língua se cale, tua vida proclamará; e o ouvido de Deus estará perto de teu coração. Porque assim como nossos ouvidos escutam nossas palavras, assim os ouvidos de Deus escutam nossos pensamentos”. (Liturgia das Horas II, p. 779-780).

Há várias modalidades da pedagogia da oração. A oração monástica é, sem dúvida, em nossa Igreja, a mais vivida e a mais profunda. Muitos mestres de oração foram surgindo na História da Igreja como: Santo Antão, São Bento, São Basílio Magno, São João Crisóstomo, Santo Agostinho, Santa Mônica, São Bruno, São Francisco de Assis, Santa Clara, Santa Catarina de Sena, Santa Teresa d’Àvila, São João da Cruz, Santa Margarida de Alacoque, Santa Teresinha do Menino Jesus, Beata Elena Guerra, Bem-aventurado Charles de Foucauld e São Pio de Pietrelcina. Não poucos de nossos contemporâneos redescobriram a oração através do Movimento da Renovação Carismática, Oficina de Oração, Centro de Meditação Cristã e Casas de Retiros Espirituais.

A Palavra de Deus é cheia de narrativas que descrevem o poder da oração em várias situações. O poder da oração vence os inimigos (Sl 5,9-12), venceu a morte (2 Reis 4,3-36), trouxe a cura (Tg 5,14-15) e derrotou demônios (Mc 9,29). Deus, através da oração, abre os olhos, transformam corações, cura as feridas e dá sabedoria (Tg 1,5). O poder da oração nunca deve ser subestimado porque ela se sustenta da glória e do poder do Deus infinitamente onipotente! Daniel 4,35 declara: “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?”. ”

A pedagogia da oração dá sentido à vida e a plenitude na caminhada para eternidade.

Frei Inácio José do Vale
Professor e conferencista
Sociólogo em Ciência da Religião
Formador do Instituto dos Irmãozinhos da Visitação de Charles de Foucauld
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com

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(*) Nouwen, Henri. J.M. Direção espiritual: sabedoria para o caminho da fé. 2ª. Ed. Petrópolis, RJ. Voves, 2008, p. 93.

PDF: PEDAGOGIA DA ORAÇÃO

A decadência da figura do padre (Inácio José do VALE)

Em Milão, o Papa Francisco afirma que Igreja Católica tem de ser capaz de “encarar os desafios de frente”.

“A Igreja precisa sempre ser restaurada porque é feita de todos nós, que somos pecadores. Deixemo-nos sermos restaurados por Deus, por sua misericórdia. Deixemo-nos limpar nossos corações, disse o pontífice. Respondendo sobre a secularização e a sociedade multiétnica, multirreligiosa e multicultural de Milão, Francisco disse que uma das primeiras coisas que lhe vem em mente é a palavra “desafio”. Todas as épocas históricas, desde o início do cristianismo, foram submetidas a numerosos desafios, tanto na comunidade eclesial como na social. Não devemos temer os desafios, aliás, é bom que existam, porque são sinais de uma fé e de umas comunidades vivas que buscam o Senhor. Devemos temer quando uma fé não representa um desafio; elas fazem com que a fé não se torne ideologia. A Igreja, em toda a sua história, sempre teve algo para nos ensinar em relação à cultura da diversidade: as dioceses, os presbíteros, as comunidades, as congregações”, afirmou o Papa Francisco. (Milão, 25/03/2017).

Depois de Cinco Séculos Declina a Figura do Padre

“O declínio quantitativo das ordenações desenha, há dois séculos, uma curva descendente diante da qual se fecham os olhos, especialmente aqueles que estão sob uma mitra episcopal”.

O comentário é de Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, em Bolonha, em artigo publicado por La Repubblica, 22/03/2017. A tradução é de Ramiro Mincato.

Alguns grandes ciclos históricos terminaram com eventos estrondosos. Outros, ao contrário, encerraram-se quase despercebidamente, embora não menos importantes do que aqueles aos quais a ereção de um monumento ou uma linha de texto num manual escolar concedem eterna glória. No silêncio exauriu-se um grande ciclo: a do padre. Esta formidável invenção do século XVI, que moldou a cultura e a política, a psicologia e a vida interior, a arte e a teologia do Ocidente e das suas antigas colônias não desapareceu (são cerca de 420 mil padres no mundo), mas, há mais de três séculos, está em crise: na Itália, em noventa anos passamos de 15 mil para cerca de 2.700 seminaristas.

Claro que fatores extrínsecos têm algum peso: amanhã a desgraça da pedofilia que a lente da mídia faz parecer um crime específico dos padres; ontem, a preguiça das autoridades em discutir o celibato eclesiástico; hoje, a simonia soft que remunera presenteando dioceses – prêmios dados para quem “fabrica” padres numerosos ou vistosos. Conta ainda nesta fase histórica a reverberação sobre o clero da queda das qualidades intelectuais das classes dirigentes às quais pertencem tanto aqueles que escolhem o sacerdócio como aqueles que o conferem. A questão se encrava ainda mais profundamente na história.

O padre que conhecemos tem data precisa de nascimento: o Concílio de Trento, concluído em 1563. E o enorme esforço com o qual tentou marcar uma cesura (contestada pelos protestantes que, em vez, acusavam a Igreja Católica de continuidade com o abuso) da reforma de Lutero. Tarde, mas com coragem, o Concílio tentou inventar remédios desconhecidos: impôs, por exemplo, aos bispos a residência na diocese, impedindo-os de assídua frequência à corte papal. E inventou o padre: este, caçoado pela literatura e pelo cinema, o homem feito sábio somente pelos insucessos, santificado pelo peso institucional daquilo ao qual se doa.

O zelo eclesiástico em condenar tudo a que se pode colar o sufixo “ismo”, empobrece suas leituras e torna-o estranho aos “seus”, que se tornam, de repente, “distantes”. A perda do papel e a negligência afetiva o expõe ao pior: da insípida exaltação do celibato que aprisiona a sexualidade em busca de sublimação até atrair ao presbiterato pessoas não resolvidas, ou mesmo doentes. Sua qualificação torna-se o nome de um vício nunca combatido suficientemente: o clericalismo.

Solidão e Sexo Virtual

De acordo com o teólogo e psicoterapeuta Wunibald Müller, os padres se sentem cada vez mais sozinhos. Por isso, é justo que eles possam viver em uma comunidade, se se quiser ajudá-los.

Em uma carta aberta, alguns padres da diocese de Colônia, por ocasião do 50º aniversário da sua ordenação presbiteral, põem em discussão a obrigatoriedade do celibato para o clero católico. Um dos motivos citados por eles é a solidão. O Dr. Wunibald Müller se ocupou por 25 anos de padres em crise na Recollectio-Haus, em Münsterschwarzach. Ele explica como os padres vivem em solidão e as suas consequências. Diz ele: “Esse vazio, por parte de alguns padres, é substituído por um excesso de comidas e bebidas. Outra compensação é a do sexo virtual na internet, que, nos últimos anos, aumentou entre padres e colaboradores eclesiais”. (Reportagem de Christian Wölfel, publicada no site Domradio, de 15/01/2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto).

A Luta dos 90.000 Padres Casados da Igreja Católica

Dos sacerdotes casados no último meio século (desde o Concílio Vaticano II, em 1965), se disse que eram desertores. De uma década para cá aparecem como profetas. Em todo o mundo existem cerca de 90.000, dos quais pouco mais de 6.500 são espanhóis. São muitíssimos, se considerarmos que a Igreja romana tinha 413.418 sacerdotes (19.058 na Espanha) no ano passado, além de um grave problema de vocações. Com o número de católicos que conta o Vaticano (1,214 bilhão), a relação entre pastores e ovelhas (segundo a terminologia usual) é preocupante, de acordo com estimativas do próprio papa Francisco: 2.939 paroquianos por sacerdote e 236.555 por bispo. Essa é a primeira análise do Congresso Internacional da Federação Europeia de Padres Católicos Casados, que acontece neste fim de semana no centro de congressos Fray Luis de León, Guadarrama (Madri).

A Europa é o continente em que mais se vê a crise do catolicismo. “Uma vinha devastada pelos javalis do relativismo”, disse em 2010 o papa emérito Bento XVI. À diminuição das vocações sacerdotais, se junta um decréscimo de 9% dos padres ativos e o envelhecimento dos clérigos restantes (66 anos de média de idade). Os padres casados são a solução, ou melhor, a solução seria decretar o celibato opcional, não obrigatório, como fizeram outras religiões cristãs, e até mesmo abrir o sacerdócio para a mulher, como as igrejas protestantes? Francisco tem essas opções sobre a mesa. Ele mesmo reconheceu que a flexibilização das leis do celibato é uma porta aberta, descartando radicalmente, por outro lado, a ordenação de mulheres. Ele disse isso em abril de 2014, forçado por declarações prévias de seu secretário de Estado, o arcebispo Pietro Parolin, que haviam causado um curioso sobressalto midiático. “O celibato obrigatório não é um dogma da Igreja e pode ser discutido porque é uma tradição eclesiástica”, disse o primeiro-ministro do Papa. (Reportagem de Juan G. Bedoya, publicada por El País, 01/11/2015).

O sistema religioso vivido em nossa era é o mais terrível em toda história da humanidade. Provam o número de martírios, o terrorismo do fundamentalismo religioso, o ateísmo, a desconstrução do sagrado, o interesse econômico da teologia da prosperidade, e espetacularização de figuras religiosas nos palcos da luxúria, os cismas continuam e seus mentores excomungados, líderes religiosos ídolos do poder, tradicionalismo ante-evangélico e a patologia nos altares e nos púlpitos. A falta de amor e de comunhão no campo eclesial é um câncer. No confronto dessa era tão tenebrosa e seus desafios, é importante a humildade, a ternura, a mente epistemológica, o coração tomado pelo fogo do Espírito Santo para construir soluções para o bem da Igreja, do seu clero, dos seus fiéis e da humanidade.

Frei Inácio José do Vale
Psicanalista Clínico
Professor e Conferencista
Sociólogo em Ciência da Religião
Irmãozinho da Visitação de Charles de Foucauld
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com

Fontes:

PDF: A Decadência da Figura do Padre