Nazaré, a mensagem de fraternidade universal de Carlos de FOUCAULD hoje. Aurelio SANZ BAEZA, Semana de Teologia, PUC SÂO PAULO, junho 2016

NAZARÉ:

A MENSAGEM DE FRATERNIDADE UNIVERSAL
DE CARLOS DE FOUCAULD HOJE

Aurelio SANZ BAEZA

PUC SÂO PAULO, junho 2016, Semana de Teologia

Toda a nossa vida, embora seja muito silenciosa, a vida de Nazaré, a vida de deserto, como também a vida pública, devem ser uma pregação do Evangelho pelo exemplo; toda a nossa existência, todo nosso ser, deve gritar o Evangelho em cima dos telhados; toda nossa pessoa deve respirar a Jesus […] Todo nosso ser deve ser uma pregação viva, um reflexo de Jesus, um perfume de Jesus, algo que grita Jesus, que faz ver Jesus, que brilha como uma imagem de Jesus” [Carlos de FOUCAULD]

ONDE NOS LEVA O ESPÍRITO DE NAZARÉ

  • A pôr nossas vidas encarnadas nas realidades que estamos vivendo.
  • A viver a amizade com Jesus desde a adoração, a contemplação e o encontro com as pessoas (fraternidade, vizinhos, companheiros de trabalho, excluídos…)
  • A converter-nos e ser seres humanos que necessitam dos outros e de Jesus.
  • A estar com as pessoas de uma maneira simples, aprendendo delas, dos mais pequenos e humildes.
  • A ver o mundo com os olhos de Jesus: aquele que não julga, o que escuta, o que perdoa, o que se preocupa que não falte o vinho e o pão, o que multiplica os pães e os peixes de nosso interior em benefício dos outros.
  • A ter uma atitude de denúncia diante das injustiças que sofrem os demais.
  • A não fugir dos problemas, os de fora e os de dentro, e responder como homens e mulheres íntegros.
  • A deixar que Deus nos procure e nos convide ao banquete da alegria.
  • Ao encontro fraterno com pessoas que não acreditam, ou não acreditam como nós, ou têm outra cultura ou outra língua.
  • A não julgar nem viver de preconceitos.

«Deus, o Ser infinito, o Omnipotente, fazendo-se homem, o último dos homens»

COMO VIVER NAZARÉ HOJE

  • Com o estilo de Nazaré: como Jesus viveu a maior parte de sua vida no meio de seus vizinhos. É estar com, não para fazer proselitismos.
  • Em fraternidade.
  • Optando pelos últimos.
  • Sendo conscientes de nossas limitações na medida em que nos for possível.
  • Não fugir de nós mesmos nem dos outros.
  • Encarnar-nos na cultura onde estamos vivendo, mas sem deixar uma atitude crítica quando ela se contrapõe ao Evangelho.

«Estou ansioso por levar finalmente a vida que procuro desde há mais de sete anos, a que vislumbrei, adivinhei, andando pelas ruas que pisaram os pés de nosso Senhor, em Nazaré; pobre artesão perdido no abaixamento e na oscuridão».

QUE DIZ HOJE Á IGREJA A MENSAGEM DO IRMÃO CARLOS

  • Não encaixa no perfil de santo ou santa ao que estamos habituados
  • Abre um espaço de contemplação dentro de um sistema onde tudo está organizado
  • Um novo sentido da missão desde o estar tornando Jesus presente em realidades diversas.
  • Nos põe no lugar onde somos chamados por vocação, não onde gostávamos de estar.
  • Procura o último lugar entre os mais abandonados, nas periferias, onde se vive com meios pobres, sem deslumbrar ninguém.
  • Ajuda a lutar pelos Direitos Humanos dos povos e das pessoas em exclusão, dos que sofrem.

«Para mim, buscar sempre o último dos últimos lugares, para ser tão pequeno como meu Mestre, para caminhar com Ele, passo a passo, como discípulo fiel, para viver com meu Deus que viveu assim toda sua vida e me da este exemplo desde seu nascimento».

COMO O PAPA FRANCISCO RECONHECE AS INTUIÇÕES DELE

  • A alegria que jorra do encontro com Jesus
  • O impulso da missão, que passa pela amizade e a familiaridade com o povo que nos é confiado (referência a “cheirar á ovelha”)
  • O desejo de uma Igreja capaz de “sair ás periferias”, as geográficas e as existenciais
  • A proposta de “uma Igreja para e com os pobres”
  • A importância da misericórdia com todos os feridos pela vida

«Deveis estar impregnados do Evangelho de Jesus até ao ponto de ser capazes, com toda independência, de afirmar frente ás potências e ás ideologias deste mundo os valores que são verdadeiramente indispensáveis para garantir a transcendência e os direitos essenciais da pessoa humana. Não podeis calar aos homens os que Cristo lhes diria se ele pudesse expressar-se por vossa boca e testemunhar por vossas atitudes. Para isso vos escolheu e vos chamou» (René VOILLAUME, “Evangelho, Política e Violência”)

SUA MENSAGEM DE FRATERNIDADE UNIVERSAL

  • Respeitar outras culturas, religiões, formas de vida…
  • Viver no meio do que é difícil e das situações de risco
  • Dar um sentido á vida pessoal e comunitária
  • Saber estar desde os meios pobres e simples junto aos mais necessitados
  • Ser Igreja missionária e samaritana, necessitada do Espírito e de uma renovação (papa Francisco)
  • Deixar-nos ler o coração pelos outros, como lemos coração deles e nos ajudamos mutuamente a crescer em nosso interior
  • Um chamamento social e político para não instalar-nos em ideias fixas
  • Viver o Evangelho desde as coisas e detalhes humanos pequenos, sem fazer que todo o mundo deva entrar onde gostamos ou cremos que é o melhor

Nazaré nos ajuda a conviver sem julgar, a viver em contemplação com nossos espaços pessoais e os espaços dos outros: seu coração, seus sonhos, sua vida. O espírito de Nazaré, assim, insta-nos a revisar a vida contemplando-a, para amar a vida própria e a dos demais como o grande presente amoroso de Deus, quando experimentamos a gratuidade. Só estamos em Nazaré quando não o idealizamos e aceitamos Jesus como vizinho ou companheiro de nosso lar, de nossas horas e de nosso futuro, como copiloto de nosso veículo ou acompanhante em nossas visitas ou nossas reuniões.

Fundamentalmente Nazaré é “ESTAR COM”, como Jesus, como Carlos de FOUCAULD.

aurelio-junio-2016Aurelio SANZ BAEZA,
irmão responsável da fraternidade sacerdotal
Iesus Caritas

(Muito obrigado, irmãzinha Josefa, para a tradução)

José COBO Semana de Teologia PUC Sâo Paulo

Esquema desta apresentação

1. Agradecimentos. O convite do Bizon me obrigou a reviver experiências antigas, a reler livros e escritos antigos, a ler livros que não tinha lido; e a revisar minha vida atual e minha ação pastoral.

2. Ligando com as colocações do Gunther e esclarecendo os meus objetivos.

. Gunther apresentou a vida do Ir. Carlos a partir da 1ª Conversão e a caminhada na busca do último lugar.

. Eu vou fazer uma leitura das experiências importantes da vida de Charles de Foucauld. É para isso, vou acolher a divisão que faz o ir. Antoine Chatelard. Escolhi este autor porque ele se guia em todo momento pela própria palavra do Ir. Carlos, melhor falando pelos seus escritos.

Notas. A primeira nota a destacar é agradecer à cultura francesa e à cultura militar pelo valor que se deu (não sei se hoje continua dando-se) ao ler e escrever. Não havia WahtsApp, graças a Deus. E Charles é um leitor compulsivo de tudo o que for possível e um escritor caprichoso, deparado e que expressa magnificamente os fatos, os dados e os sentimentos. Tenho inveja da educação que recebeu e da sua disposição para escrever. E nossa cultura, eh?

. Dividirei a minha comunicação em quatro pontos, seguindo as quatro etapas da vida de Ir. Carlos; e algumas considerações finais

3. O tempo até a 1ª conversão é dividido em dois períodos diferentes: a infância e adolescência até a primeira comunhão com 14 anos; e o período dos 14 aos 28, quando acontece a conversão.

4. A etapa da infância é avaliada por ele próprio como um tempo feliz, apesar de ter perdido os pais com seis anos de idade. Os pais são muito bem avaliados: o pai, muito doente e afastado procurando cura é admirado; e a mãe é uma santa. Outros dados relevantes: os órfãos vão morar com os avós; o avó é militar; a guerra com a Prusia impõe que mudem de residência e se definam como franceses e contra os prussianos / alemães. A educação recebida, num ambiente católico praticante é muito ‘afetuosa mas frouxa’, talvez possamos traduzir por carinhosa mas permissiva. Eu gostaria mais ver o valor da liberdade no amor. A minha liberdade não termina na liberdade do outro, quando o assunto é amor. Porque a liberdade de Deus arrassaria com a minha caminhada rumo ao amor gratuito. O amor prolonga e potencia a liberdade do outro, para torná-lo capaz de amar como Jesus amou, gratuitamente.

Certamente a marca mais importante deste período é o amor na família, sem os pais biológicos, mas agregando aqui tias e primas. E isso me lembra a vivencia dos povos indígenas do Brasil e de muitas famílias pobres.

Sobressai nessa experiência Marie de Bondy, sua prima, oito anos mais velha que ele. Ela cuida dele, se preocupa dele, não o abandona, responde às suas inquietações, é confidente, orienta ele e oferece a possibilidade de falar com Pe. Huvelin. Ele a define como irmã e mãe. Ele a admira pela sua inteligência e sua virtude, segundo as palavras dele. Curte uma ligação muito profunda, que nunca o abandonará. A influência desta figura será fundamental em todo o seu processo. É uma mulher cristã muito virtuosa e muito virtuosa. Sua religião pode ter o que eu busco. O casamento dela lhe causa muito sofrimento: já não tem a exclusividade do seu amor.

A relação com os amigos desta época é profunda e permanece firme apesar das mudanças na sua vida e na vida dos amigos. Chatelard mostra que é um amor de posse, que se entrega totalmente e exige reciprocidade, quase exclusividade.

-> Experiências marcantes: amor da família e amor dos amigos. Poderiamos falar de absolutos: o absoluto do amor gratuito e o absoluto da amizade?

5. Dos 14/15 anos aos 28, é o período do Abandono das práticas religiosas e da fé em qualquer religião.

Fatos marcantes: saída do círculo familiar; entrada na escola St. Genevieve; expulsão por mau comportamento; morte do avó; estudos na Escola para Oficiais em St. Cyr; conclusão em Seamur, em último lugar; alocados em várias guarnições; expulso do exército por conduta indecorosa e mal exemplo; vai morar com Mimi, em Evian; ‘chamada’ da ação; abandona a Mimi; e se lança em uma exploração; esta dura pouco tempo e ele tem que voltar para a caserna; não aguenta e se demite; parte em uma exploração do Marrocos por própria conta; depois desta expedição, volta a Paris e escreve suas explorações; recebe um prémio da Sociedade Geográfica e se converte em uma autoridade reconhecida; realiza uma série de viagens com motivos desses empreendimentos; quase formaliza um casamento, que certamente não lhe faria bem. A prima Marie de Bondy o ‘salva’ desse casamento; volta a Paris, mas algo mudou na sua vida: a vida dos muçulmanos que visitou e observou o marca profundamente; dai para frente vive como um pobre nómade do deserto; lê muito e, em especial, os filósofos antigos que falam das virtudes.

6. Aprendizagens dessa época, que tem uma profunda influencia na sua vida.

1) A religiosidade profunda de uma mulher tão inteligente. Sua maneira de viver a religião católica naquele momento. Carlos se pergunta será que essa religião não tem valor.

2) A religiosidade profunda dos muçulmanos, tão sofredores, tão abandonados aos absoluto de Deus, tão religiosos, fieis cumpridores. O Deus tem que ser um Absoluto. Porém, ele não se converterá ao Absoluto dos muçulmanos, mas a Jesus Cristo vivo.

3) O exército, que não adorava, lhe dá algumas experiências importantes: a disciplina no agir, o gosto pela ação, as habilidades da cartografia, o aprendizado de línguas, o gosto por explorar e chegar aonde ninguém chegou antes, o gosto pela ação e a organização, o prazer de conhecer e entender os outros povos no mais profundo da sua cultura; o capricho com os outros, soldados; gosto por conhecer territórios e estabelecer amizade com os outros.

4) Na linha mais pessoal, este período significa uma série de perdas que o marcam profundamente: o avó, a proximidade da família, a tenra amizade da prima, a perda da fé. E experimenta o vazio, o tédio, a rejeição dos amigos e colegas. Eu era mais porco que homem.

? Tudo isto está nas suas cartas, nos seus escritos, nas suas meditações.

Uma das coisas que mais me chama a atenção é que o olhar do já Ir. Charles: ele olha para trás sem irá. Me atrevo a dizer que ir. Carlos não fala muito do pecado. Muito pelo contrário, ele afirma “Eu te abandonei, tu nunca me abandonaste”. É magnífica a imagem que dá título à obra de J. Lepetit: “o Parceiro invisível”.

E aqui cabe uma reflexão teológica fundada na afirmação contundente de Paulo: “onde abundou o pecado, sobreabundou a graça; a primazia da graça. E uma sugestão pastoral: vale a pena ressaltar em primeiro lugar e quase único a presença do pecado, do demônio, do mundanismo, da sexualidade desenfreada…. e não falar quase nada da presença do Reino, vivo, operante, mesmo que pareça ‘invisível’? Não será está a ‘alegria do evangelho’ que nos o Francisco atual tanto nos anima a encontrar?

Conversão é um processo constante

Vou fazer algumas considerações muito discutíveis sobre seu processo de conversões. As imagens que temos sobre as conversões acenam sempre para um momento na vida dos ‘santos’, o momento em que formulam sua entrega incondicional a Cristo. Assim falamos da ‘conversão de S. Paulo’ ou da experiência de S. Francisco de Assis, diante do Cristo de S. Damião; e se busca nas Escrituras o exemplo da primeira chamada de Jesus aos Apóstolos. Os papas recentes e os teólogos e pastoralistas falam quase sempre da necessidade do “encontro com Cristo vivo hoje”. E acrescentam dados muito importantes sobre onde encontrar-se com Jesus vivo hoje: na Palavra, acolhida, meditada, estudada e praticada; na Liturgia, especialmente na Eucaristia; e no serviço ao pobres e a todos os sofredores. Não vou questionar essas formulações. Vou tentar pensar sobre a ‘conversão’ do Ir. Carlos. Talvez isso ajude.

7. Parece-me que os autores falam de várias conversões: duas ou três, ao menos. Eu gostaria apresentar uma reflexão sobre os processos de conversões: há várias chamadas de Deus e há várias respostas do ir. Carlos. Até o final da sua vida. Gunther falava de uma conversão diária.

8. A volta de ir. Carlos às práticas religiosas se concretiza na confissão dos pecados, obedecendo ao Pe. Huvelin. Não se estou errado: nunca antes tinha falado com ele. Mesmo que ambos se conhecem através da prima Marie e talvez pelas pregações do padre. A proposta de Huvelin é uma ordem. Sem dúvida é graça de Deus nessa ordem e nessa aceitação. Primazia da graça. Mas eu quero ver a Deus agindo por causas segundas. Por exemplo, será que podemos que a graça de Deus, que a autodoação de Si mesmo, estava trabalhando antes: pelo amor da família, pela doce pressão da prima Marie, pelo seu testemunho de vida, pela religiosidade muçulmana, pela rejeição dos colegas de farda, pelo sentido militar da obediência, nas leituras?

E quero ver a graça de Deus agindo nos fracassos, pela experiência do tédio, do vazio, Isso são as ‘pragas do Egito’ anteriores à libertação! Será que há libertação sem pragas?

9. As formulações sobre a conversão precisam ser contempladas para ver os caminhos de Deus. “Meu Deus, se existis, fazei que eu vos conheça”.

10. A conversão de ir. Carlos não é conversão do pecado para a prática religiosa; mas do tédio, da morte, de ser considerado porco para… Não é uma conversão moral, mesmo que a inclui. Nem da indisciplina para a norma. Para que ou para quem se converte o ir. Carlos? Há várias conversões.

Penso que a primeira conversão está determinada pelo Absoluto de Deus. Formula assim: “Tão logo acreditei que Deus existia, compreendi que não poderia fazer outra coisa senão viver para ele: minha vocação religiosa data do mesmo momento que minha fé. Deus é tão grande! Há tanta diferença entre Deus e tudo o que não é ele!”.

Não é apenas fugir do pecado, mas entregar a vida. A referencia ao filho pródigo acena para a misericórdia do Pai, mais que para o arrependimento filho. O amor é mais forte que qualquer pecado e não exige humilhação. Não é o “eu era bêbado e vivia drogado; encontrei Jesus, xô Satanás”.

Convertei-vos e crede no evangelho. Não é o mesmo que retomar as práticas religiosas ou cumprir a moral sexual.

10. Huvelin o orienta para Jesus. E Jesus se converte para Ir. Carlos num amigo ‘apalpável’, como dizia s. Joao. Ele não reza a um Deus distante, nem a um milagreiro, mas a um amigo. Não inventa o método histórico-crítico, mas as suas meditações são mais existenciais que dogmáticas; mas diálogos que normas; e mais testemunho que pregação.

11. Outras ‘conversões’ ou outras etapas no processo de entrega, ele gosta de falar de ‘abandono’.

Ir. Carlos se converte a Jesus, ao Jesus Bom Pastor e ao Pai do Filho Pródigo. Quero ver aí a influencia de Pe. Huvelin. O Absoluto de Deus, tão admirado nos muçulmanos, se transfere para a ‘imitação’ de Jesus. Bem diferente do ‘sacrificialismo’ do Tomás de Kempis. A imitação de Jesus é por amor. Vejam onde estão as experiências do amor familiar, dos amigos, dos colegas. Amar é imitar. S. João da Cruz formulará uma imagem semelhante: Orar é amar e sofrer com o amado (mas não pelo gosto de sofrer, senão porque o amor não é amado). Agostinho verá isso com um tom de lamento: “ô beleza infinita, quão tarde te conheci”. Ir. Carlos formula melhor: “Logo que te conheci, percebi que só poderia viver para ele”.

12. São constantes as mudanças: nunca muda por falta de disciplina e por não cumprir. Explica a sua saída da Trapa e do exército pelas mesmas razões: “Saí porque tinha entrado – pelos mesmos motivos – não por inconstância, mas por constância na busca de um ideal que eu esperava encontrar lá, e que não encontrei.”

13. A imitação de Cristo o leva na Trapa; depois em Nazaré. Essa busca é de silencio, de semelhança física.

Viver como Jesus… em Nazaré. Mas não deu certo.
Viver como Jesus… servindo a todos: enfermos, esmolas
Viver como Jesus… com os últimos
Viver como Jesus… como irmão ‘universal’
Viver … como Jesus viva em Nazaré – sem roupas especiais, sem privilégios, servindo, sem pregar… trabalhando com as mãos.
Viver e morrer como o grão de trigo.

14. Algumas considerações

1. Valor das experiências das crianças para a catequese e para a pregação. Não é o ensinamento moral e de práticas religiosas, mas o ‘amor familiar’, entranhável, liberador, gratuito… Quanto tem que aprender nossas catequistas da Marie de Bondy. E os pregadores do Huvelin e dos muçulmanos.

2. Predecessor do Vaticano II.

. O Vaticano I nem se menciona. Estou tentado a pensar que a influencia do Vaticano I foi apenas nas formulações e discussões da teologia e da hierarquia. Por baixo dos gostos da Curia e dos Papas, corria a experiência do povo de Deus (o sensus fidei), que foi recolhido pelos teólogos e formulados em propostas mais pastorais e de misericórdia, como queria o Sto. Papa João.

. Em concreto, quero ver a marca da experiência de ir. Carlos em formulações conciliares sobre o ecumenismo, quando se afirma que a Igreja pode até aprender de outras igrejas, confissões e religiões, além do respeito devido aos caminhos de Deus, ou a liberdade de consciência.

. Outra valorização do ir. Carlos, seguindo Huvelin, que engata plenamente com o concilio é a leitura bíblica, como Palavra de Deus e não como simples doutrina ou argumento teológico, mas como diálogo com uma pessoa viva, um amigo.

. Também acho que há uma presença do Ir. Carlos na reflexão sobre a evangelização, sobre a enculturação e sobre os momentos da evangelização. Em concreto, na Evangelii Nuntiandi.

. No Papa Francisco já nem se fala.

jose-coboJosé COBO,
fraternidade do Brasil

PDF: José COBO Semana de Teologia PUC Sâo Paulo

Os sacerdotes proféticos, Jacques GAILLOT

Aurelio, nosso responsável geral, veio encontrar-me em Paris duma maneira muito fraterna. Pediu-me que partilhasse o que gostaria de dizer aos padres das fraternidades. Partilhar convosco sobre o que faz vosso ministério e vossa vida.

Mas, falar dos padres é falar do Homem, daqueles a quem somos enviados. Não é certo que estamos ao serviço de um povo?

Uma noite em que subi ao metro numa hora de ponta, encontrava-me de pé, apertado por todos os lados e na impossibilidade de encontrar um ponto de apoio com a mão. Conforme as sacudidas do metro, repousava sobre uns ou outros. Alguém me identificou e sorria da minha situação precária. Ao descer os dois na mesma estação, não pude deixar de dizer-lhe: “Veja, o que faz aguentar-se em pé um bispo, é a gente!

1 – Começar pelo humano

gaillot-01Seguindo o P. de Foucauld, estamos marcados pela espiritualidade de Nazaré: um estilo de vida simples, pobre, misturados com a vida ordinária das pessoas. Jesus, o homem de Nazaré, viveu uma quantidade de experiências por causa do seu trabalho, das injustiças do seu tempo, os laços tecidos com os pobres, a sua presença ás famílias, compartilhando suas alegrias e seus sofrimentos, sua oração ao Pai na solidão. Seu coração, modelado por todos estes encontros, ardia com o fogo de seu amor pelo seu povo. Esta lenta maturação o preparava para sua missão profética que inaugura de maneira surpreendente na sinagoga de Nazaré. Sua hora tinha chegado.

O Espíritu do Senhor está sobre mim porque o Senhor me consagrou pela unção.
Enviou-me a levar a Boa Notícia aos pobres,
Anunciar aos prisioneiros a sua libertação,
E aos cegos que recuperarão a vista,
A dar a liberdade aos oprimidos,
A anunciar um ano de graça concedido pelo Senhor.” Lc 4, 18-19

Toda a vida pública de Jesus vai consistir em pôr em prática esta pregação de Nazaré. Não é um discurso religioso que fala da Lei: É um discurso que fala somente do ser humano. Não é um discurso sobre Deus, é um discurso sobre o Homem.

Não é um discurso de restauração, é uma grande mensagem de libertação que muda a vida. É um discurso que deixa estupefato.

A espiritualidade de Nazaré não pode passar por alto esta proclamação. É ela que insufla uma dimensão profética a nosso ministério e a nossa vida de padres.

Acontece-me, como a vós, ouvir pessoas que me dizem: “Já não pratico”, ou “há muito tempo que deixei de praticar”. Para essas pessoas, é evidente que se trata da prática religiosa. Mas a prática fundamental do Evangelho é a da justiça e do amor que são devidos ao próximo. Não é a prática religiosa!

No julgamento final, não me perguntarão quantas missas celebrei ou quantos casamentos abençoei. Dirão: “Que fizeste de teu irmão que era estrangeiro, prisioneiro, doente, faminto…?

gaillot-02O essencial é a prática do irmão, a prática da solidariedade. Ninguém está dispensado dela, mesmo quem está aposentado. Como é que há tantos cristãos que não descobriram a importância desta prática da justiça e do amor que são devidos ao próximo?

Na sinagoga de Nazaré Jesus anuncia que veio trazer a Boa Notícia aos pobres. Não diz aos ricos, aos poderosos… Faz a opção dos pobres. Começa por eles. Põe-se do lado dos oprimidos e não dos opressores. Do lado das vítimas e não dos poderosos. Do lado dos humilhados e não do lado dos que os exploram.

Jesus dirigiu-se espontaneamente aos rejeitados, aos esquecidos. Ao fazer esta opção de começar pelos pobres, abre-se a todos. Não rejeita ninguém. É pouco frequente, na sociedade como na nossa Igreja, fazer a opção de começar pelos pobres!

Alegro-me que o Papa Francisco tenha decidido canonizar Monsenhor Romero que é uma figura profética do combate pela justiça.

As mudanças necessárias no seio da Igreja, na sua pastoral, na educação, a vida sacerdotal e religiosa, nos movimentos laicos, que não pudemos realizar em quanto o nosso olhar estava unicamente fixado na Igreja, realizamo-los agora que nos volvemos para os pobres.” “É a partir dos pobres que a Igreja poderá existir para todos, que poderá prestar serviço aos poderosos através de uma pastoral de conversão; mas não ao contrário, como aconteceu tantas vezes.
Discurso na universidade de Lovaina para a recepção do título de Doutor Honoris Causa, 2 de fevereiro de 1980.

Não é nenhuma honra para a Igreja manter boas relações com os poderosos. A honra da Igreja é que os pobres a sintam como própria.”
El Salvador, homilia do 17 de fevereiro de 1980.

2 – Ser uma esperança para os pobres

Há tempos tocou-me o coração uma palavra de Dom Helder Câmara: “Se não sou uma esperança para os pobres, não serei o sacerdote de Jesucristo”.

Léon Schwartzenberg, conhecido médico especializado no cancro, militou já aposentado na associação dos sem documentos da qual faço parte também. Era um amigo. Judio ateu, chamava-me “Meu bispo preferido”. Quando morreu, levaram-no ao cemitério de Montparnasse em Paris, no sector judio. A multidão dos pobres estava presente, invadindo o cemitério. Pessoas sem documentos, sem teto, chegaram, alguns deles de longe, para “Léon” que tanto havia feito por eles e que ficava para eles como um sinal de esperança.

Quando Victor Hugo, o célebre autor dos Miseráveis morreu, a multidão dos pobres levantou-se em todo Paris, dezenas de milhares, para acompanha-lo á sua última morada: o Panteão. Não quis a oração da Igreja mas, no caixão dos pobres que ele tinha pedido, beneficiou do reconhecimento dos “miseráveis” de Paris.

Hoje, lá onde eu vivo, quem leva a esperança dos pobres?

Quando parti de Evreux em 1995, no último sermão na catedral, falei assim á multidão:

Todo cristão, toda comunidade, toda Igreja que não empreende antes de mais, e ante tudo, o caminho do sofrimento dos homens, não tem nenhuma possibilidade de ser ouvida como portadora duma boa notícia. Toda pessoa, toda comunidade, toda Igreja que não se faz antes de mais e ante tudo, fraterna com todos, não poderá encontrar o caminho dos corações, o lugar secreto onde pode ser acolhida esta Boa Notícia.

Jesus foi uma grande esperança para os pobres. Foi até eles com misericórdia, sem excluir ninguém. Os pobres sentiram-se amados por Deus. Os mais deserdados descobriram maravilhados que eram os preferidos de Deus.

No Evangelho, a única atitude que possa libertar alguém, é reconhecer a sua dignidade.

3- Superar as fronteiras:

Aperceberam-se do contágio de muros no mundo? Constroem-nos por todas partes. Muros que separam os povos e lhes impedem de circular. Muros de arame para proteger-se da vinda dos migrantes. Na associação de pessoas indocumentadas, onde existem muitas nacionalidades, temos por lema: “Não mais muros entre os povos, não mais povos entre os muros”.

Não gosto dos muros. Quando vou ás prisões, estou contente de sair de aí para estar fora desses muros que me privam de todo horizonte!

Jesus passou a vida fazendo cair muros: o muro do dinheiro, o muro dos preconceitos e da desconfiança, o muro da indiferença, o muro do esquecimento. E sobre tudo, pela sua morte na cruz, fez cair o muro do ódio que noa separava uns dos outros.

Gosto de ver que Jesus nasceu fora dos muros, e que morreu fora dos muros, Para ver a luz do sol da Páscoa, é preciso sair dos muros.

gaillot-03Superar as fronteiras “em nós” é difícil. É uma grande conversão! Mas, não será ela necessária para chegar a ser um irmão universal?

Podemos ir em missão ao fim do mundo transportando em nós um modelo cultural antigo e inadaptado.

Em Europa, pertencemos a sociedades que já não estão marcadas pelos valores cristãos tradicionais. Por que querer impor a todos valores que só se podem aplicar a um grupo determinado de pessoas? A vinho novo, odres novos.

Quando, na França, autorizaram o matrimonio entre pessoas de mesmo sexo, que confusão! Mesmo da parte dos padres. Nesse reconhecimento público dos casais homossexuais, não se tratava de tolerância mas de direito. É uma mudança cultural considerável.

Hoje, com a mundialização, as religiões estão todas presentes nas grandes cidades. Estão nas escolas, nos hospitais, nas cadeias, os lugares de trabalho… Um padre que va á prisão confiava-me:

Durante trinta anos, fui o único sacerdote. Tudo andava bem. Agora vão um rabino, um imam, um pastor e um evangelista com quem não conseguia entender-me. Já era hora de ter a aposentação!

Isto evoca-me um provérbio africano:

Quando estamos sós vamos mais depressa, quando estamos juntos vamos mais longe!

gaillot-04E se falamos do estatuto social dos padres? Vivo num país onde os padres são cada vez menos e onde as comunidades cristãs estão pedindo.

Não posso deixar de ter um sonho, o sonho que puderam chamar homens ou mulheres de experiência, casados ou não, com um trabalho, uma profissão. E por um tempo determinado. Com o acordo das comunidades e do bispo, lhes seriam impostas as mãos. Não se trataria mais de esperar que se presentem candidatos, mas de tomar a iniciativa do chamado em função das necessidades da igreja local. Aliás, podemos perguntar-nos: aqueles que se apresentam hoje aos seminários, serão os sacerdotes de que precisará a Igreja de amanhã?

O P. de Foucauld era sensível aos acontecimentos. Os acontecimentos o faziam mexer. Homem em caminho e em procura, era capaz de partir a outro lado e de viver de outra maneira. Não se instalava nunca. Para ele, a instalação era uma morte. Por causa de Jesus e do Evangelho dizia-se pronto a ir até ao fim.

Nós estamos entrando num mundo novo. Somos testemunhas do fim de um mundo. Testemunhas também do nascimento de outro mundo que não sabemos ainda o que será. O nosso caminhar revela novos horizontes e abre á novidade.

Em França, quando nos encontramos cada mês fielmente em fraternidade, é comovedor ver-nos chegar carregados de anos, limitados, cansados…

gaillot-05Pensam que estamos já mortos. Mas os que o dizem esqueceram que éramos sementes. Sementes de vida!

O amanhã está por fazer.

+ Jacques Gaillot,
Bispo de Partenia

PDF: Os sacerdotes proféticos, Jacques GAILLOT, port

Logotipo Centenário de Charles

Logotipo-Centenário de CharlesUm logotipo para ser descoberto em suas diferentes facetas, logotipo que nos ajuda a trazer a riqueza da experiência do grande eremita e místico Charles de Foucauld.

No centro do coração encimado por cruz, com a inscrição Jesus Cáritas tem sido o emblema do irmão Charles. Ele começou com este símbolo a cada meditação, cada letra, cada escrito.

O coração, encimado por cruz, tornou-se o símbolo do amor com que Jesus amou a humanidade. E Charles, no amor com Jesus, quer imitá-lo nesse louco amor por Deus e pelos homens.

A cruz em seu braço horizontal se torna quase fração, em seguida, uma espiga de milho, cujo grão que cai na terra da humanidade, simbolizado pelo mundo.

O grão de trigo nos lembra da morte do irmão Charles, que esperava ter irmãos e irmãs reunidos em pequenas comunidades para levar o Evangelho para as mais distantes e marginalizados. Em vez disso, ele morreu sozinho!

Ele escreveu em 01 de dezembro de 1916 Carta aos Marie de Bondy: “Nossa auto-humilhação é o meio mais poderoso que temos de nos unir a Deus e fazer o bem às almas”; e em uma carta a Suzanne Perret: “Quando o grão de trigo que cai na terra e não morre, fica sozinho, se morrer, dá muito fruto; Eu não estou morto, então eu continuo sozinho… Ore por minha conversão de modo que morrer fruto “.

Sua vida entregue por amor, deu os seus frutos, através dos muitos grupos de homens e mulheres religiosas, leigos e sacerdotes que surgiram após sua morte e viver o Evangelho seguindo as intuições de Charles de Foucauld.

O arco-íris, como um toque de cor, parte do nome de um que celebramos, Charles de Foucauld, através do coração e do grão de trigo destacando a data de sua morte “em 1916” e que é do centenário.

O arco-íris, também lembra a beleza da variedade dos carismas de todos aqueles que vivem pela espiritualidade foucauldiano em diferentes estados de vida.

O mundo, é o conjunto da humanidade e do desejo do irmão Charles para levar o evangelho “até os confins da terra”. (Atos 1,8).