SIMPÓSIO, Irz Madalena de Jesus, fraternidade irmâzinhas de Jesús, Belo Horizonte, PUC SÂO PAULO, Semana de Teologia, junho 2016

SIMPÓSIO – CENTENÁRIO DO IR. CARLOS DE JESUS.
IRMÃZINHA MADALENA DE JESUS

Fraternidade Irmãzinhas de Jesus, Belo Horizonte

ANTECEDENTES:

  • Nasce em Paris: 26/04/1898. Suas raízes são na Lorena, fronteira com Alemanha. Viveu experiência de guerra onde perde a avó e também seus irmãos e irmã. Fica só com seus pais.
  • Sua vocação começa desde criança. Marcada por essas experiências e também pelo amor aos árabes, através de seu pai, médico no Saara. Esses acontecimentos e, mais tarde a leitura da biografia de Charles de Foucauld, escrita por René Bazin, fazem–na descobrir a face de “Um Deus que se aproxima”.

QUE IDEAL ERA ESSE ?

  • Vivência evangélica, pobreza total, inserção nas populações marginalizadas e principalmente o Amor com toda plenitude.Ela percebeu aí o evangelho vivido até o fim por este homem que foi até os confins da terra para “levar o banquete” aos mais afastados.
  • Enfim, soara a hora de Deus. Foram 40 anos de espera: saúde frágil…

IDA AO SAARA

  • Madalena embarca em 1936 para o Saara com sua mãe e uma companheira.
  • O tempo vivido em Boghari não a cumulou. Continuava nela a sede de uma “vida de oração contemplativa”.

O SONHO

  • Madalena sentia-se cheia de defeitos, impotente. Essa experiência de fragilidade que a faz experimentar a presença de um Deus pequeno, frágil . Essa experiência, ela classifica de um “lindo sonho”, algo que a inunda de “luz, ternura e amor”. É assim que tenta explicar essa presença em sua vida de um Deus que se entrega em total abandono, por Amor. Essa imagem de Deus-Pequeno, a criança de Belém que se revela a ela, é um convite a abandonar-se, como uma criança nos braços do pai. Convida a ir ao encontro de seus irmãos/ãs, simplesmente para amá-los, partilhar suas vidas na ternura e na humildade.

EL GOLEÁ

  • Vai em peregrinação ao túmulo do Ir. Carlos e lá encontra Pe. Voillaume que a anima escrever uma Regra de Vida e começar o noviciado em vista de fundar as Irmãzinhas de Jesus.

TOUGOURT

  • Em 1939 faz sua profissão religiosa e vai morar em Tougourt, em meio aos nômades e faz com eles uma linda experiência de amizade que marca a Fraternidade. Vive com eles no respeito, na confiança, na amizade. E sempre repetia às irmãzinhas: “pode existir uma verdadeira amizade com pessoas diferentes de nós.”
  • Em 1940 começam a chegar as primeiras irmãzinhas. Ela escreve o Boletim Verde, onde resume o ideal da Fraternidade das Irmãzinhas de Jesus.

FRATERNIDADE UNIVERSAL

  • Em 1946, Irz. Madalena vive a experiência mística da Paixão. Aí compreende a imensa compaixão de Deus frente a todo sofrimento. Aí adquire a certeza de que a Fraternidade tem que ser Universal. Até então era para os nômades. Espalha irmãzinhas pelo mundo inteiro, nos cinco continentes. Irz. Madalena procura estar atenta aos mais diversos meios, religião e povos: pigmeus, indígenas, ciganos, circo, mundo operário e rural, igrejas orientais… No entanto nunca abandonou o mundo muçulmano, e aí sente necessidade de levar um testemunho de amor, respeito, doçura.

PAIXÃO PELA UNIDADE

  • Unidade oferecida a todos/as: é pelo amor que salvaremos o mundo.
  • Ecumenismo
  • Romper Fronteiras: Irz. Madalena era uma mulher que buscava unir, romper fronteiras: visitava os países fechados por regimes totalitários, para aí irradiar Jesus.

DISCIPULA DO IR. CARLOS : Como discípula do Ir. Carlos, qual é seu legado?

  • Busca do Absoluto de Deus: busca de Deus na vida. Imersão no mundo. Contemplação no mundo dos pobres.
  • Fermento na Massa: misturar-se, desaparecer no meio dos/as irmãos/ãs fermentando, levando vida.
  • Infância Espiritual: um estado de simplicidade, de alegria que consiste na confiança, no abandono nas mãos de Deus. ( Fazer-se criança é condição para entrar no Reino…Lc 9, 46 ). Traços de Deus revelado no presépio: doçura, ternura, tolerância, luz, esperança, alegria. Aspectos que o mundo de hoje precisa.
  • Contemplando esse Deus Todo Poderoso que se encarnou no meio de nós, para ter acesso aos pequenos, encontramos o “último lugar” de que fala o Ir. Carlos.
  • Eucaristia: Deus que se entrega como alimento. “Festim para os pobres, para os últimos.” Vida consagrada, entregue como algo “utilmente devorável. Uma vida eucarística”.
  • Gritar o evangelho com a vida. Ser testemunhas da Misericórdia de Deus
  • Nazaré: Irz. Madalena dizia:¨Você tem um único modelo, Jesus, Não procure outro”. Faça-se tudo para todos (1Cor.9,2); árabe com os árabes, nômades com os nômades … mas antes de tudo, seja humana. E acrescentava: “ por favor sejam humanas e cristãs antes de serem religiosas.

A fraqueza dos meios humanos é causa de força – JESUS é o Senhor do impossível” (Irz. Mad. De Jesus)

Fraternidade Irmãzinhas de Jesus, Belo Horizonte

PDF: SIMPÓSIO- Irz. Madalena de Jesus, Irnâzinhas de Jesus, Belo HORIZONTE, PUC SÂO PAULO, junho2016

CHARLES DE FOUCAULD HOJE, Dom Eugênio RIXEN, Semana de Teologia, PUC SÂO PAULO, junho 2016

CHARLES DE FOUCAULD HOJE
Dom Eugênio RIXEN
Bispo de Goiás

PUC SÂO PAULO, junho 2016, Semana de TeologIa

O livro de René Voillaume “Fermento na Massa”, traduzido do francês “Au coeur des masses”1 era leitura obrigatória no seminário na década de 1960.

Muitos padres, religiosos, religiosas, leigos e leigas foram profundamente marcados pela espiritualidade do irmão Carlos. Este queria um retorno à mensagem do Evangelho. Disse ele: “Precisamos reescrever o Evangelho com a própria vida”.

“Toda nossa existência, todo nosso ser deve gritar o Evangelho sobre os telhados: toda nossa pessoa deve respirar Jesus, todas os nossos atos, toda nossa vida devem gritar que somos de Jesus, devem apresentar a imagem da vida evangélica.; todo nosso ser deve ser uma pregação viva, um reflexo, um perfume de Jesus, algo que exclame Jesus, que faça ver Jesus, que brilhe como uma imagem de Jesus”2.

Vários bispos de diferentes continentes, inspirados pela espiritualidade do padre de Foucauld tiveram uma grande influência no Concílio Vaticano II (1962 – 1965). Já no final deste grande evento eclesial, alguns bispos assinaram o Pacto das Catacumbas3. Cinco bispos brasileiros assinaram este documento: João Batista da Mota e Albuquerque, Francisco Austragésilo de Mesquita Filho, José Alberto Lopes de Castro Pinto, Henrique Hector Gollaud Trindade OFM e Antonio Batista Fragoso. Este último participou do mês de Nazaré em Hidrolândia (GO), organizado pelas Fraternidades Sacerdotais “Jesus Caritas”, em janeiro de 1997.

Vários grupos se inspiram na espiritualidade do irmão universal: os Irmãozinhos de Jesus, os Irmãozinhos do Evangelho, as Irmãzinhas de Jesus, as Fraternidades Sacerdotais “Jesus Caritas”, as Fraternidades Seculares Charles de Foucauld, as Fraternidades Missionárias, etc…

Vamos agora apresentar alguns aspectos fundamentais desta espiritualidade.

1- O absoluto de Deus

Após uma adolescência e juventude longe dos valores cristãos que ele tinha aprendido na sua infância, Foucauld, visitando uma igreja em Paris e conversando com o padre Havelin, descobre o absoluto de Deus.

“Tão logo acreditei que havia um Deus, compreendi que não poderia ter outra atitude que não fosse a de viver somente para ele: minha vocação religiosa data do mesmo instante que minha fé: Deus é tão grande! Há uma grande diferença entre Deus e tudo o que não é ele”4

Não basta só conhecer a Deus, é preciso experimentá-lo ou procurar constantemente a sua face: “Meu Deus, meu Deus, eu te procuro! Minha alma tem sede de Ti, minha carne também te deseja, como terra seca sem água!” (Sl 63,2).

Alimentar o desejo de Deus era uma constante na vida do irmão Carlos. Uma grande inquietação morava nele: imitar Jesus de Nazaré. Por isso, após várias experiências em mosteiros trapistas (Nossa Senhora das Neves – França e Abbés – Síria), ele se instalou em Nazaré, como doméstico das clarissas. Mais tarde, fixou-se em Tamanrasset, no sul da Argélia.

Ainda hoje não basta conhecer a Deus, mas é preciso encontrá-Lo, ou, ao menos, procurá-Lo.

2 – A espiritualidade de Nazaré

O padre de Foucauld quer levar uma existência, a mais simples possível, imitando Jesus na sua vida em Nazaré. Escreve “conselhos” aos irmãos e irmãs do Sagrado Coração de Jesus, congregação que ele quer fundar:

“Os irmãos e irmãs do Sagrado Coração de Jesus farão esforços contínuos para se tornarem cada vez mais semelhantes a nosso Senhor Jesus, tomando por modelo sua vida em Nazaré, que oferece exemplos de tudo. A medida da imitação é a do amor – ‘Quem quiser me servir, que me siga’, ‘Eu lhes dei o exemplo, a fim de que, assim como eu fiz, vocês também façam’”5.

A vida de Nazaré consiste em levar uma vida simples e humilde. Mais do que pregar, o irmão Carlos quis testemunhar os valores do Evangelho, a vida escondida de Jesus em Nazaré.

No Pacto das Catacumbas, alguns bispos conciliares se comprometeram com esta espiritualidade.

“Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo o que se segue (cf Mt 5,3; 6,33; 8,20)”6.

3 – A Oração Contemplativa

O irmão Carlos inspirou sua espiritualidade em São Bernardo, Santa Tereza de Ávila e São João da Cruz.

Santa Teresinha escreve: “Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria”7.

Foucauld valorizou muito a oração contemplativa, principalmente diante do Santíssimo:

“Mas todos os dias é preciso dar um certo tempo à contemplação estritamente falada, a esta oração pura que simplesmente é um diálogo familiar, um terno derramamento da alma diante de Deus”8

A oração contemplativa alimenta nossa oração vocal, como é o caso da liturgia comunitária, mas esta última deve também enriquecer nossa oração contemplativa. Os dois modos de orar se fecundam mutuamente.

Faz parte da nossa espiritualidade a adoração eucarística regular e prolongada. A eucaristia está no centro da nossa fé. Contemplando o mistério central da nossa fé, nós aprendemos a imitar cada vez mais aquele que amamos.

4 – A pobreza evangélica

O Papa Francisco insiste que precisamos uma Igreja pobre e com os pobres. Deixemos Charles de Foucauld falar:

“Ó! Meu Senhor Jesus, eis então agora esta divina pobreza! Ó! Como é preciso que seja você quem me instruísse! Você a amou tanto!… Na vossa vida mortal, você fez dela a vossa companheira fiel… Você viveu trinta anos como pobre operário nesta Nazaré que tenho a honra de conhecer….Meu Senhor Jesus, como logo ficaria pobre aquele que amando a você de todo o seu coração e sofreria de ficar mais rico que o seu Bem Amado… Meu Deus, eu não sei se é possível para certas almas de ver-te pobre e ficar voluntariamente ricas, de se encontrar maiores do que o seu mestre…O amor de Jesus, o amor do próximo, o amor da nossa própria salvação, todos os três nos conduzem à pobreza, à pobreza perfeita, completa, semelhante a vós sem uma pedra para por a cabeça”9.

Dizem os Bispos do Pacto das Catacumbas:

“Para sempre renunciaremos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses insignos ser, com efeito, evangélicos) (Mc 6,9; Mt 10,9s; At 3,6). Nem ouro, nem prata”10.

5 – A fraternidade

Irmão Carlos tinha uma profunda convicção de que todos somos irmãos, o mesmo sangue, a mesma vida divina circula em todos os seres humanos.

“Quero habituar todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus e idólatras, a ver-me como seu irmão universal. Eles começam a chamar a casa de “fraternidade” e isso me dá grande satisfação.
Somos todos filhos do Altíssimo! Todos… o mais pobre, o mais repugnante, um recém-nascido, um velho decrépito, o ser humano menos inteligente, o mais abjeto, um idiota, um pecador, o maior pecador, o mais ignorante, o último dos últimos, aquele que mais repugna no aspecto físico e moral é um filho de Deus, um filho do Altíssimo”11.

As várias fraternidades inspiradas do beato Carlos de Foucauld procuram viver esta vida fraterna através de encontros mensais de oração, de estudo e de revisão de vida. Seguindo o método “Ver-Julga-Agir”, inspirado da Ação Católica, os membros partilham suas vidas à luz da Palavra de Deus e procuram pistas de ação para transformarem-se a si mesmos e a sociedade na qual vivem.

Motivados pela fraternidade universal, alguns membros da fraternidade se engajam nas pastorais de fronteira, como a Pastoral Carcerária, a Pastoral da Terra, da Moradia, Indígena ou ainda partem em missão para lugares mais desfiadores no Brasil ou no mundo.

Um belo exemplo disso são as irmãzinhas de Jesus. Quando sua fundadora, irmã Madalena de Jesus, visitou os índios tapirapés no Mato Grosso, ela escreveu:

“A casa das irmãzinhas tornou-se a casa de todos. Fico feliz com essa confiança que inspiraram. Elas realmente fazem parte da tribo e se adaptaram totalmente. Quando os homens vão caçar ou pescar, elas recebem sua porção como qualquer outra família… Foi-lhes atribuído um lote de terreno que agora elas mesmas cultivam, mas podem servir-se em outros lotes. Em troca, estão disponíveis para todos, de dia e de noite, para cuidar deles. Na verdade, é essa ajuda mútua que possibilita, só ela, manterem-se num plano de igualdade e de amizade”12.

6 – O último lugar

Num mundo da competitividade, onde cada um quer ser mais que o outro, Jesus propõe a humildade e o serviço. Ele disse: “Quem se exalta será humilhado, que se humilha será exaltado”( Lc 18,14) e dá o exemplo quando lava os pés de seus discípulos (Jo 13,1-13). O maior é aquele que serve (Lc 9,46-48).

Escreve irmãzinha Madalena de Jesus:

“Há uma vontade de Deus muito clara de querer fazer que partilhemos da vida dos mais pobres, inclusive dos mais miseráveis…
Precisamos ir em busca não apenas do pobre que respeitamos, mas também do condenado, do culpado que se esconde e tem vergonha, perguntando-se quem irá ainda querer bem e amá-lo por amizade. E é por isso que tentamos agora nos aproximar dos detentos, na angústia moral de suas prisões”13.

7 – O diálogo ecumênico e inter-religioso

O testemunho religioso dos muçulmanos levam o irmão Carlos a se questionar sobre a sua própria fé:

“Confesso: o islamismo produziu em mim uma profunda mudança… a visão desta fé, dessas almas vivendo na contínua presença de Deus, fez-me entrever algo de maior e de mais verdadeiro do que minhas ocupações mundanas”14

Esta fé na transcendência de Deus já impressionou de Foucauld quando ainda jovem explorou o Marrocos. Os últimos 15 anos de sua vida, ele viveu na Argélia no meio dos muçulmanos, simplesmente testemunhando a sua fé.

“Minha missão deve ser o apostolado da bondade. A meu ver, deverão dizer: ‘já que este homem é tão bom, também sua religião deve ser boa!’ Se alguém me perguntar por que eu sou manso e bom, deverei responder: ‘Porque eu sou o servidor de um outro que é muito melhor do que eu. Se você soubesse como é bom o meu Mestre Jesus!’ Quero ser tão bom que possam dizer de mim: ‘Se o servidor é assim como não será o Mestre!’”15

8 – O deserto

Sabemos que na Bíblia, o deserto é o lugar da experiência de Deus. Moisés encontrou Deus na solidão do deserto através da sarça ardente (Ex 3,1-10). Elias fez a experiência de Deus no monte Horeb através de uma brisa ligeira (1Rs 19,1-8). O próprio Jesus, antes de iniciar a sua missão, ficou 40 dias no deserto, orando e jejuando (Mt 4,1-11).

Em 1898, o irmão Carlos escreve ao padre Jerônimo:

“É preciso passar pelo deserto e aí permanecer por algum tempo para receber a graça de Deus: é nele que nos despojamos, que afastamos de nós o que não é Deus e que esvaziamos completamente a pequena morada de nossa alma para deixar todo o lugar exclusivamente para Deus”16

O deserto é o lugar da experiência de Deus, mas também do encontro consigo mesmo e das suas sombras. É o lugar das tentações. Só vive bem quem é amante do silêncio!

Algumas considerações finais

A espiritualidade e o estilo de vida do beato Charles de Foucauld continuam bem atuais e são capazes de sustentar a mística de padres, religiosos/as e leigos/as nos dias atuais.

Dom Walter Kasper, cardeal alemão e presidente emérito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos faz as seguintes observações para a Igreja alemã:

“Apesar de todos os esforços pastorais realizados, as igrejas estão cada vez mais vazias no domingo e a sociedade mais descristianizada. Muitos têm a impressão de pregar para ouvidos surdos. Nessa situação difícil, o exemplo de Charles de Foucauld pode ser de grandíssima ajuda para muitos sacerdotes. Nós, cristãos, também somos filhos de nosso tempo; queremos planejar, fazer, organizar, controlar os resultados… Charles de Foucauld nos sugere uma abordagem diferente: imitar e viver a vida de Jesus em Nazaré”17

O mesmo cardeal convida a Igreja a ser mais misericordiosa para testemunhar melhor o Evangelho de Jesus Cristo:

“Também neste sentido é muito instrutiva a história da salvação. O publicano Levi converteu-se no evangelista São Mateus, e Saulo passou a ser São Paulo. Também alguns santos, como Carlos de Foucauld, começaram por ser uns fracassados; nos dias de hoje, em conformidade com os critérios vigentes para a nomeação de bispos, Santo Agostinho, por exemplo, se fosse considerada a sua vida passada, não chegaria nem a acólito”18

Concluindo podemos afirmar que as grandes intuições do beato Charles de Foucauld continuam bem atuais para alimentar uma verdadeira espiritualidade do seguimento de Jesus.

eugenio-rixen+ Dom Eugênio RIXEN,
bispo de Goias,
fraternidade do Brasil

PDF: CHARLES DE FOUCAULD hoje, Eugênio RIXEN, PUC SÂO PAOLO, junho2016

En busca do último lugar. Günther LEMBRADL, Semana de Teologia, PUC SÂO PAULO, junho 2016

EM BUSCA DO ÚLTIMO LUGAR

Günther LEMBRADL

Semana de Teologia, PUC SÂO PAULO, junho 2016

No dia 1 de dezembro de 1916, portanto cem anos atrás, em Tamanrásset, uma cidade da tribo dos Tuaregues no coração do Saara, foi morto o Pe. francês, Carlos de Foucauld, que agora em diante vou chamar simplesmente Ir. Carlos. Ele quis ser irmão de todos. Durante a sua vida ele quis fundar uma congregação, mas morreu sozinho, sem ver o seu projeto realizado. “Se o grão de trigo que cai na terra, não morrer, ficará só, mas se morrer produzirá muito fruto”. (João 12,24). Mais ou menos trinta anos após sua morte, veio a surgir a primeira congregação, os irmãozinhos de Jesus. Hoje ao redor do Ir. Carlos existe uma família espiritual muito numerosa. No dia 13 de novembro de 2005 Ir. Carlos foi declarado beato pelo Papa Bento XVI.

Quem é esta pessoa extraordinária cujo testemunho de vida atraiu tanta gente?

Carlos de Foucauld nasceu em 1858. Com 6 anos de idade era órfão de pai e de mãe. Com 14 anos fez a primeira comunhão e logo em seguida perdeu a fé. Com 28 anos, ele a recuperou. No mês de outubro ele é visto nas Igrejas de Paris rezando. A oração que repetia era: “Meu Deus, se você existir, eu gostaria de conhecê-lo”. No dia 29 ou 30 de outubro de 1886, ele tinha 28 anos de idade, entrou na Igreja de Santo Agostinho para pedir aulas de religião. O padre “Abbé Huvelin” o mandou ajoelhar e confessar. Logo depois lhe deu a santa comunhão. Carlos sai da Igreja tendo reencontrado a fé. Ele escreveu: “Logo que tinha a certeza de que Deus existe, só pude viver para ele”. Começa uma vida nova.

Numa homilia do Pe. Huvelin, ele escuta uma frase que iria “gravar-se indelevelmente em minha alma”, como afirmou. “Jesus tomou de tal maneira o último lugar que ninguém jamais pôde tirá-lo daqui.”

A partir de então Ir. Carlos inicia a aventura do seguimento de Jesus Cristo, a descida para o último lugar. Tema da minha colocação.

A pedido do Pe. Huvelin, que se tornou o seu guia espiritual, Ir. Carlos faz uma peregrinação para a Terra Santa. Ele chegou a Nazaré. Lá ele se defrontou com “a existência humilde e obscura do divino carpinteiro da Nazaré”. Ele descobriu o seu chamado: Viver a vida de Jesus de Nazaré. Mais tarde ele medita longamente sobre as palavras do Evangelho de Lucas. “Ele desceu com eles para Nazaré e lhes era submisso”. (Lc.2,51). “Vós descestes com eles (os pais) para viver, como eles viviam, a vida dos pobres artesãos, que vivem do próprio trabalho em Nazaré”. Ainda trinta anos após a sua conversão em 1916, ano de sua morte, Ir. Carlos medita em Tamanrasset: “Ele desceu com eles e foi para Nazaré: por toda a sua vida. Ele só desceu, desceu ao encarnar-se, desceu ao fazer-se filho, desceu ao obedecer, desceu ao fazer-se pobre, abandonado, exilado, perseguido, supliciado, ao colocar-se sempre no último lugar”. Buscar o último lugar para Ir. Carlos é o resumo de sua vontade em seguir Jesus Cristo. Aqui há uma intuição central da fé do Ir. Carlos, profundamente de acordo com o coração da revelação cristã.

Ir. Carlos tem a intuição de que ele encontra o último lugar no seguimento da vida de Jesus em Nazaré. Trinta anos de vida escondida, de trabalhador, desprezada. Natanael ao saber que Jesus é de Nazaré só sabe exclamar: “De Nazaré pode sair alguma coisa que presta”? (João 1,46)

Nazaré era uma cidade rejeitada, impura, pagã, sem importância, obscura e desconhecida. Não tinha história, referências, importância; não tinha voz. Foi em Nazaré que Jesus viveu trinta longos anos de vida escondida, sua infância, adolescência, sua juventude. Aqui ele entendeu o seu chamado, aqui encontrou a sua vocação, aqui amadureceu o projeto de sua vida.

A pergunta que Ir. Carlos se fez: como encontrar este último lugar? A busca deste último lugar leva Ir. Carlos primeiro para o Mosteiro da trapa. “Restava-me entrar na Ordem onde eu encontrasse a imitação mais exata de Jesus…sua vida privada de humildade e pobre artesão de Nazaré”. Em 1890, com 32 anos de idade ele entra no Mosteiro “Notre-Dame des Neiges”, com a previsão de ser enviado para uma nova fundação em Akbés na Síria. Ele escreve: “Por que entrei na trapa? Por amor, por puro amor…amo Nosso Senhor Jesus Cristo, embora com um coração que gostaria amar mais e melhor, mas, enfim, eu o amo e não posso suportar viver uma vida diferente da sua, uma vida doce e honrada quando a Dele foi a mais dura e desdenhada que jamais houve”. Mas a saudade de Nazaré não tardou. Na trapa não encontrou o que estava buscando, a sua inspiração profunda. “Aqui somos pobres na opinião dos ricos; não somos pobres como Nosso Senhor era…quanta diferença entre essa casa (de um morador do lugar) e as nossas moradas! Suspiro por Nazaré”.

Após sete anos de monge trapista e antes de fazer os votos perpétuos Ir. Carlos recebe a permissão de deixar a trapa, para viver a vida de Jesus em Nazaré. Ir. Carlos deixa a Trapa e vai para Nazaré. Lá ele fica num convento de Irmãs Clarissas. Durante três anos mora numa casinha dois por dois metros, para ler, rezar, meditar no silêncio e ao abrigo da clausura. Durante este tempo de deserto amadurece em Ir. Carlos uma nova convicção. Viver “a vida de Nazaré, minha vocação, não na Terra Santa tão amada, mas entre as almas mais doentes, as ovelhas mais desamparadas”. Seu pensamento volta á sua juventude quando percorreu Argélia como soldado e Marrocos como explorador, os dois países que somam dez milhões de habitantes, não havia nenhum padre no interior.

Em 1900 ele deixa Nazaré volta para França, se prepara para a ordenação sacerdotal. Em 09/06/1901 com 43 anos de idade, ele é ordenado padre pelo bispo da diocese de Viviers na França. A pergunta que Ir. Carlos se faz agora: Mas ir para onde? “É preciso ir não onde a terra é mais santa, mas onde as almas têm maior necessidade”. “Como nenhum povo me parecia mais abandonado do que esse, solicitei e obtive a permissão do prefeito apostólico do Saara de instalar-me no Saara argelino”. Foi em Beni Abbés,(1901) oásis mais próximo da fronteira marroquina, que Ir. Carlos foi construir seu eremitério. Em Beni Abbés Ir. Carlos é confrontado de transformar a sua vida monacal em vida de missionário. ”Não seguirei essa tendência, pois acredito que estaria sendo muito infiel a Deus, que me deu a vocação de vida reservada e silenciosa e não a do homem de palavras”. Fiel à sua vocação não queria viver outra vida senão essa imitação de Jesus de Nazaré, que era a sua vocação.

Ir. Carlos escolheu Beni Abbés pensando de ter encontrado o último lugar possível, mas esse último lugar o esperava ainda dois mil quilômetros no sul, no Hoggar, no coração do deserto do Saara. Numa carta seu amigo general Laperrine contou-lhe de uma mulher tuaregue que recolheu na sua casa e cuidou dos soldados franceses feridos numa batalha e não permitiu o seu extermínio. Desde então Ir. Carlos sentiu-se ser chamado para conhecer esta senhora no Hoggar. “Sinto calafrios, tenho vergonha em deixar Beni Abbés, de deixar a calma ao pé do altar para me lançar em viagens pelas quais tenho agora um horror tremendo… Apesar do que a razão opõe… sinto-me extremamente e cada vez mais impelido interiormente a viajar”. A razão porque Ir. Carlos quer ir para o Hoggar: “Vejo essas vastas regiões sem um padre, vejo-me o único padre que pode ir até lá”. Seu bispo, de início reticente, permitiu finalmente que Ir. Carlos partisse. Ao cabo de quatro meses de extenuantes caminhadas pelo deserto, ele chegou ao Hoggar em maio de 1904. Ir. Carlos agora tem 46 anos de idade. Foi uma nova etapa que ele encarou mais do que nunca, à luz de Jesus de Nazaré. “Escolhi Tamanrasset, povoado de vinte lares, em plena montanha no coração do Hoggar e dos Dag Rali, sua principal tribo. Escolhi esse lugar abandonado e nele me fixei e onde quero durante a minha vida, tomar por único exemplo a vida de Jesus em Nazaré”.

Em Beni Abbés Ir. Carlos ainda quis viver a vida monástica “um tipo de eremitério, humilde e pequeno…numa estreita clausura, na penitência e na adoração do Santíssimo Sacramento, não saindo do claustro” agora chegado em Tamanrasset (1905 com 47 anos de idade)ele mudou de ideia e se dá uma nova regra. “Tome como objetivo…levar a vida de Nazaré, em tudo e por tudo…nada de hábito como Jesus em Nazaré, nada de clausura como Jesus em Nazaré, nada de casas longe de lugares habitados, mas perto de um povoado como Jesus de Nazaré”. Para construir o seu eremitério não procurou um lugar solitário, como em Beni Abbés, mas, ao contrário um lugar acessível a todos. Ir. Carlos agora quer viver um apostolado de amizade. “Ao me verem, as pessoas devem dizer: Sendo esse homem tão bom, sua religião deve ser boa”.

Os anos passavam Ir. Carlos continuou seu caminho de descer para o último lugar, “sinto-me cada vez mais escondido e perdido como Jesus em Nazaré”. E como Jesus e com Jesus ele quer ser salvador. Para ser salvador “é preciso passar pelo sofrimento, pelo fracasso aparente, pela morte”.

No fim de sua vida Ir. Carlos se identifica com Jesus “Não somos mais nós que vivemos, mas Ele que vive em nós. Nossos atos não são mais atos nossos, atos humanos e deploráveis, mas são Dele, divinamente eficientes”. Como Jesus ele quer entregar a sua vida por amor. “Ninguém tem maior amor, do que aquele que dá a sua vida por seus amigos (João 15, 13)…desejo de todo o meu coração dar a minha vida por Vós”.

Este desejo se realiza. No dia 1 de dezembro de 1916 um grupo de Tuaregues rebeldes saqueou o eremitério, aonde Ir. Carlos se tinha retirado. Ele ficou sendo amarrado e vigiado por um rapaz de quinze anos. Num momento de pânico este rapaz ficou nervoso e atirou a queima-roupa em seu prisioneiro, que morreu na hora.

“Jesus tomou de tal maneira o último lugar que ninguém jamais pôde tirá-lo daqui.” Esta palavra marcou toda a vida de Ir. Carlos.

O último lugar

E nós? Aspirar ao último lugar para nós é um valor? Na nossa sociedade se presencia o contrário. A lei hoje é “Subir na vida a todo custo, conquistar um lugar ao sol, ser importante, sair da miséria”. Subir só pode quem está no chão, quem experimentou a dureza da miséria, quem tem fome de alguma coisa, quem ainda não encontrou a vida. Descer só pode quem já tem uma vida cheia; cheia de amor e de misericórdia, como Jesus Cristo que “estando na forma de Deus, mas renunciou ao direito de ser tratado como Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo e tomou a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens. E sendo encontrado na figura de homem, rebaixou-se ainda mais, fazendo-se obediente até a morte, à morte de cruz”. (Fil.2,5ss). O último lugar não é um lugar já definido e pronto, que alguém pode escolher, mas é a opção de vida de alguém de abandonar-se nas mãos de Deus, deixar guiar-se por ele. Ao último lugar se chega após uma longa caminhada de descer. Buscar o último lugar é para gente corajosa que não tem medo de enfrentar aventuras.

Falei que a lei de nossa sociedade é subir na vida. Esta luta acontece não apenas na sociedade cívica, mas também na nossa Igreja. O Papa Francisco o denunciou na carta Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho) o mundanismo religioso que “busca em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal”. Este obscuro mundanismo manifesta-se em muitas atitudes. “Há um cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina, e do prestígio da Igreja” “encerra-se em grupos de elite” Dentro do povo de Deus, quantas ”guerras por inveja e ciúmes”, “busca pelo poder, prestígio, prazer ou segurança econômica e carreirismo” (EA 93-101).

Lembro-me, quando cursava o quarto ano de primário a nossa professora fez a cada um de nós a pergunta: “O que você quer ser na vida?” Um quis ser médico, outro quis ser motorista de caminhão, outro quis ser professor, outro quis ser advogado. Eu não me lembro de o que eu quis ser, mas nunca mais esqueci a resposta de um menino: “eu quero ser gari, varredor de rua”. Foi uma gargalhada só. Quando cheguei ao Brasil em 1967, conheci os irmãozinhos de Jesus, congregação que segue a espiritualidade de Ir. Carlos, que moravam numa periferia de Santo André. Guido, era padre, trabalhava como metalúrgico. Serafim tinha absolvido o estudo de música e era pianista, trabalhava como metalúrgico, Chico que era médico trabalhava como servente de pedreiro. Mais tarde encontrei em Manila nas Filipinas outro irmãozinho de Jesus, era professor da Universidade, depois que ingressou na Congregação dos irmãozinhos, virou vendedor de picolé. Os estudantes que o conheciam como professor vendo-o agora com seu carrinho de picolé, achavam que enlouqueceu. Como um médico, um professor universitário pode fazer isto? A resposta é: eles não se tornaram servente e vendedor de picolé porque são profissões tão atraentes, mas “por causa de Jesus e do seu evangelho” levaram a sério a palavra de Jesus: “Se alguém quer servir a mim, que me siga. E onde eu estiver, aí também estará o meu servo”. (João 12,26).

gunter-lembradlGünther LEMBRADL,
fraternidade do Brasil

Para preparar esta colocação utilizei o livro:
Charles de Foucauld, Nos passos de Jesus de Nazaré
Editora Cidade Nova 2004
Escrito por
Irmãzinha Annie de Jesus

PDF: EM BUSCA DO ÚLTIMO LUGAR, Günther LEMBRADL, Semana de Teologia, PUC SÂO PAULO, junho 2016