Tzvetan Todorov, o pensador da solidariedade social

“A barbárie consiste em negar a humanidade plena dos outros, dos que não se parecem conosco. Observamos suas manifestações em todas as épocas, em todas as partes do globo, portanto é uma possibilidade oferecida à espécie humana. Mas, evidentemente, não é uma necessidade – é inclusive o sentido profundo da palavra “civilização”: a capacidade de reconhecer a plena humanidade dos outros. Todo ser humano pode alcançar a civilização”, disse Tzvetan Todorov.

A mais recente obra do filósofo búlgaro Tzvetan Todorov, que faleceu a 7 de Fevereiro de 2017, aos 77 anos, em Paris, chega agora às livrarias portuguesas a 21 de Fevereiro, pela chancela do Grupo Almedina, Edições 70. Os Inimigos Íntimos da Democracia é um livro com sete capítulos e oferece um contributo valioso para discutir os conceitos de liberdade e de democracia na sociedade contemporânea.

Filósofo, linguista, sociólogo e crítico, Tzvetan Todorov nasceu em Sófia, na Bulgária, em 1939, tendo uma longa obra sobre política e linguagem. O autor é um nome incontornável no catálogo das Edições 70 e nas Ciências Sociais e Humanas, repensando as questões fundamentais da atualidade. Diretor de Investigação do Centro Nacional de Investigações Científicas (CNRS) de Paris, em Os Inimigos Íntimos da Democracia o autor procurou examinar a história do século XX, acabando por descobrir que, com o colapso da União Soviética e do comunismo mundial, os inimigos da democracia não estão fora, mas dentro dela.

Enquanto historiador das ideias e teórico da literatura, Todorov reflete sobre os paradoxos da liberdade, os grandes inimigos da democracia e vários momentos-chave da história contemporânea: a ascensão do comunismo, a guerra do Iraque, a guerra do Afeganistão, as primaveras árabes, as questões de moralidade e justiça, o neoliberalismo, a identidade nacional, entre outros temas. Uma vez que viveu um terço da sua vida na Bulgária comunista, parte também da sua experiência pessoal para discutir estas questões.

Na obra, não só é referido o aumento verificado do populismo, como também dos meios de comunicação social e de uma demagogia sólida, que o autor define como “identificar as preocupações da maioria e propor alivia–las recorrendo a soluções fáceis de entender, mas impossíveis de aplicar”.

Embora não seja o primeiro autor a afirmar que os inimigos da democracia se encontram dentro desta, não devemos descurar a sua posição quanto ao terrorismo. Na obra, Todorov demonstra a sua renúncia à frequentemente citada “ameaça terrorista”, afirmando que o terrorismo islâmico (ou jihadismo) não é um candidato credível para o papel do inimigo, papel esse que era anteriormente desempenhado por Moscovo.

Tzvetan Todorov (1939-2017) frequentou os cursos de Filosofia da Linguagem ministrados por Roland Barthes, um dos mais respeitados teóricos do estruturalismo publicado nas Edições 70. Foi professor da École Pratique des Hautes Études, da Universidade de Yale e diretor do Centro Nacional de Investigações Científicas de Paris (CNRS). Publicou um número considerável de livros que estão hoje traduzidos em 25 idiomas e produziu uma obra vasta na área de linguística e da teoria literária. O pensamento de Todorov direciona-se, após os seus primeiros trabalhos de crítica literária sobre poesia eslava, para a filosofia da linguagem, numa visão estruturalista. Em 2008 foi vencedor do Prémio Príncipe das Astúrias de Ciências Sociais por representar “o espírito da unidade da Europa, do Leste e do Oeste, e o compromisso com os ideais de liberdade, igualdade, integração e justiça”.

Solidariedade à chave da virtude social

Tzvetan Todorov foi um grande pensador contra o horror do totalitarismo e uma das muitas vozes do século XX que nunca deixou de defender a capacidade humana para a vida moral, mesmo nas situações mais extremas. Ou seja, a situação dos campos de concentração nazistas e os Gulags soviéticos (Gulag era um sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos, presos políticos e qualquer cidadão em geral que se opusesse ao regime na União Soviética).

Em seu famoso livro “Em Face do Extremo”, o autor reconstrói, com base em documentos e testemunhos, o rico repertório de atos não heroicos, mas comuns, de dignidade, compaixão e cuidado que tornaram possível a sobrevivência no campo de concentração e no Gulag.

O trabalho de Todorov sobre estas questões apresenta as virtudes cotidianas e comuns como base viável e acessível para a moralidade contemporânea.

Ao contrário de alguns de seus contemporâneos, que alegaram que para sobreviver nestes casos todas as classes de vida moral tiveram que ser abandonadas, Todorov reuniu uma quantidade impressionante de testemunhos que apontam em uma direção totalmente oposta: “os que sobreviveram sempre dependeram da ajuda do outro o que torna a solidariedade à chave da virtude social”.

Não há dúvida, o pensamento de Todorov é de uma profundidade colossal. No contexto do século XX, considerado o século da maior carnificina da história da humanidade, ele pensa na visão solidária e no conjunto moral da dignidade da pessoal humana. Estabelecer tal pensamento requer vivência na sensibilidade, coerência no sentido da vida e a razão epistemológica na antropologia dos valores sociais. Liberdade do ser e a democracia digna que faz jus a uma sociedade justa, de paz, fraterna e de direitos garantidos para bem de todos.

Hoje mais do que nunca precisamos pensar e agir urgentemente com força solidária diante de muitas indústrias da morte. Somos assombrados por tantos males que só a união solidária nos garante a certeza de mudanças em prol da vida livre e feliz. Viver em paz.

Frei Inácio José do Vale
Sociólogo em Ciência da Religião
Professor e Formador da Congregação dos Irmãozinhos da Fraternidade de Charles de Foucauld
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com

Fontes:

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Silêncio – Filme

É o mais católico dos filmes do premiado cineasta e ator americano Martin Scorsese não foi feito para agradar.

Shusaku Endō (1923-1996) foi um romancista católico japonês autor de longos escritos que sondaram os conflitos e paradoxos da fé. Nasceu em Tóquio, viveu na Manchúria, regressou ao Japão e foi batizado com 11 anos. Após a universidade casou, teve um filho e viveu em França. O romancista Graham Greene, com quem Endō foi muitas vezes comparado, afirmou que ele era «um dos maiores romancistas vivos».

Em 1966 Endō publicou “Silêncio” (“Chinmoku”), obra de ficção histórica sobre missionários jesuítas no Japão do século XVII. Muitos sustentam que é a sua obra-prima. Finalmente, 28 anos depois de ler o romance, o realizador oscarizado, argumentista, ator e produtor Martin Scorsese traz esta história para o grande ecrã. “Silêncio” está repleto de temas humanos, teológicos e espirituais que os argumentistas Jay Cocks e Scorsese impregnam de respeito.

“Um dia, quando todos tiverem processado este filme, penso que veremos que “Silêncio” marca o auge da sua arte e da sua forma de contar histórias como realizador católico, onde os personagens do santo e do pecador estão sempre próximos”, diz Ir. Rose Pacatte , Diretora do Centro Paulinas para os Estudos dos “Media”, Los Angeles, EUA (1).

O Grande Silêncio

O primeiro filme sobre a vida interior da Grande Chartreuse, casa-mãe da Ordem dos monges Cartuxos, uma meditação silenciosa sobre a vida monástica na sua forma mais pura. Aproximadamente vinte anos depois de ter pedido autorização para filmar no mosteiro, é dada autorização para entrar ao realizador Philip Gröning, que filmará a vida interior do mosteiro dos cartuxos.

É um filme sobre a presença do Absoluto e a vida de homens que dedicam a sua existência a Deus. Viver em silêncio, rezar em silêncio, trabalhar em silêncio, falar em silêncio. Pequenos gestos. “Eis o silêncio: deixar que o Senhor pronuncie em nós uma palavra igual a Ele.” Philip Gröning faz do cinema um convento, o olhar do espectador torna-se contemplação, como o monge que reza em silêncio, na sua cela solitária ou na floresta. A repetição, o ritmo, todos os gestos se dizem no tempo destes monges, que vivem noutro tempo, noutro ritmo, nos tempos de hoje. E o filme contempla este tempo, as estações a sucederem-se, os dias e as noites, as orações e os trabalhos.

Um filme sobre a Ordem Cartusiana dos Alpes franceses encontrou o caminho para o as grandes salas alemãs. Um sucesso surpreendente: em lugar de ação ou grandes emoções, apenas a calma contemplação da vida monástica.

A impaciência certamente não é um defeito do cineasta alemão Philip Gröning. Há quase 20 anos, ele pediu aos monges da Ordem Cartusiana a permissão de rodar um documentário sobre suas vidas. A resposta foi: para alguns monges, ainda há pouco tempo na ordem, era cedo demais; eles precisariam de cerca de dez anos, até se acostumarem à vida no convento.

Gröning não se deixou intimidar e manteve contato com o prior. Em 2002, finalmente reuniu-se aos religiosos em seu retiro nos Alpes franceses, por vários meses, e captou impressões da vida monástica. A ordem consta como a mais rigorosa da Igreja católica romana.

O filme resultante, com cerca de três horas de duração, recebeu uma chuva de críticas positivas, sendo por fim exibido em circuito comercial. Para surpresa generalizada, Die grosse Stille (O grande silêncio) é sucesso de público, já havendo ultrapassado a marca dos 100 mil espectadores e com vários a prêmios(2).

O Legado do Silêncio

Com abissal glória o tema “silêncio” ocupa seu espaço de forma magistral. O poder do silêncio é saúde plena para o corpo, mente e espírito. É um tesouro para delícia do nosso ser. A terapia do silêncio é colossal. Sua pedagogia ilumina uma jornada para as maravilhas infinitas. É no silêncio se escuta a voz suave e delicada do bom Deus. O coração escuta e fala o mistério do silêncio e vive na plenitude da graça, do amor, da fé e da esperança celestial. Silêncio, solidão (não solitário), deserto, contemplação, via: purgativa, iluminativa e unitiva são asceses hipotálassicas da educação espiritual.

O ser espiritual colabora por mundo melhor de paz, calma, serenidade, partilha, caridade, justiça, sabedoria e silêncio. Falar demais, causar barulhos, zoada infernal, tudo isso é a desconstrução do bem viver e a promoção de muitos males em nossa humanidade. O falastrão causa danos para si mesmo e em toda comunidade. A espiritualidade do silêncio educa a pessoa a calar o seu interior, escutar o coração e viver muito bem a fraternidade universal. Os grandes mestres da espiritualidade do silêncio (Padres e Madres do deserto, monges e eremitas) deixaram um legado monumental para o mundo. Suas vidas eram toda de Deus e seus testemunhos são ensinos que nos levam ao amor do Pai Eterno. Como exemplo próximo de nós pode citar o eremita do deserto do Saara Charles de Foucauld. Sua vida e sua obra estão enriquecendo espiritualmente muita gente no mundo inteiro.

Frei Inácio José do Vale
Psicanalista Clínico
Professor e conferencista
Sociólogo em Ciência da Religião
Doutor em História do Cristianismo
Religioso dos Irmãozinhos da Visitação de Charles de Foucauld
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com

Notas:

  1. http://snpcultura.org/silencio_o_mais_catolico_dos_filmes_de_scorsese_nao_foi_feito_para_agradar.html
  2. http://www.dw.com/pt-br/sil%C3%AAncio-dos-monges-vira-sucesso-de-bilheteria/a-1890158

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IMITAR AS VIRTUDES DOS GRANDES

“A história do mundo não é mais do que a biografia de grandes homens”, dizia o historiador e intelectual inglês Thomas Carlyle (1795-1881). O escritor e jornalista americano Walter Isaacson, especialista em biografar nomes da ciência e da tecnologia, dá um passo além dessa constatação ao mostrar que, muito mais que um mosaico de gênios, a “história do mundo” é costurada por releituras, adaptações e retomadas, ao longo do tempo, das ideias desses “grandes homens”.

Em seu livro The Practice of Piety (A Prática da Compaixão), o escritor e bispo anglicano Lewis Bayly (1565-1631), capelão do rei Tiago I da Inglaterra, disse que “… alguém que planeja fazer algum bem através de seus escritos descobrirá que vai instruir muito poucos… “O exemplo é o modo mais poderoso para promover o que é bom”… Um homem entre mil pode escrever um livro para instruir o seu próximo… Cada homem, porém, pode ser um padrão de excelência de vida para aqueles que o cercam”.

O cientista Inglês Isaac Newton (1643-1727), que escreveu as equações das leis naturais, dizia que suas conquistas só haviam sido possíveis porque ele enxergava o mundo “do ombro dos gigantes” que o procederam. O conhecimento que nos trouxe até aqui é cumulativo, meritocrático, metódico, organizado em currículos que fornecem um mapa e um projeto de glórias e virtudes abissais. Aprender sempre é a meta com ardor e humildade se espelhando nos grandes homens!

“As virtudes intelectuais e morais exigem instrução, bons hábitos, tempo e seu exercício repetido para serem finalmente adquiridas”. Tornamo-nos educados pela aprendizagem contínua, justos pela prática da justiça, prudentes pelo exercício da prudência, heroicos pelas atitudes de coragem. As leis, portanto, formam bons cidadãos pela força do hábito. Essa deveria ser a intenção de todos os legisladores. Faz toda a diferença que hábitos são estimulados pelas leis. “Tudo o que temos de aprender devemos desde cedo aprender praticando”, declara o grande filósofo grego Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), em seu clássico tratado “Ética a Nicômaco”.

Charles de Foucauld

De forma magistral afirmou São Paulo Apóstolo: “Tornai-vos os meus imitadores, como eu o sou de Cristo” (1Cor 11,1).

“Observemos os santos, mas não fiquemos apenas na contemplação deles; procuremos isto sim, contemplar com eles Aquele que preencheu suas vidas”, disse o beato Charles de Foucauld (1858-1916).

A vida deste padre, monge, missionário e eremita francês que viveu no deserto do Saara é uma inspiração abissal para muitos seguidores de Jesus de Nazaré no mundo inteiro. Seu legado são dezenas de congregações religiosas, fraternidades sacerdotais, fraternidades leigas, mosteiros, eremitérios e grupos que se alimentam da sua espiritualidade.

Escreveu: “Toda a nossa existência deve gritar o Evangelho de cima dos telhados. Toda a nossa pessoa deve respirar Jesus. Todas as nossas ações e toda a nossa vida deve proclamar que pertencemos a Jesus”. “Nós fazemos o bem, não pelo que dizemos e fazemos, mas pelo que somos, pela graça que acompanha as nossas ações, pela maneira que Jesus vive dentro de nós, pela maneira que nossas ações são ações de Jesus, trabalhar em e através de nós”. “O amor é inseparável da imitação: quem ama quer imitar: é o segredo de minha vida. Apaixonei-me por esse Jesus de Nazaré crucificado, e passo a vida tentando imita-lo”.

Pe. Inácio José do Vale
Professor de Historia da Igreja
Instituto de Teologia Bento XVI
Sociólogo em Ciência da Religião
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com

Bibliografia.

  • Sgarbossa, Mario. Giovannini, Luigi. Um santo para cada dia. São Paulo: Paulus,1996.
  • Charles de Foucauld, Letters from the Desert, trans. Barbara Lucas (London: Queimaduras & Oates, 1977).

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