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Charles de Foucauld: o farol místico – José Inácio do Vale
O renomado filósofo e historiador francês Marie-André, no esboço biográfico de Charles de Foucauld, escreveu: “Entre as grandes figuras atuais, poucas são tão brilhantes quanto o Padre Charles de Foucauld. Nada mais admirável, com efeito, do que ver um mundano, desocupado, libertino, transformar-se quase subitamente em asceta, em penitente, em contemplativo, em apóstolo. A mudança desse homem provaria, se necessário, o poder da graça divina, quando unida à vontade humana”.
Pelo menos duas dezenas de institutos e fraternidades de religiosos, padres e leigos, criados, na maior parte dos casos, após a sua morte e interpretando, cada qual segundo a sua sensibilidade, a herança de Charles de Foucauld, continuam a manter viva a espiritualidade daquele que o célebre teólogo francês Yves Congar um dia chamou de “farol místico” para o século XX, junto com santa Teresinha do Menino Jesus.
O cardeal Walter Kasper ao falar sobre a espiritualidade que buscou Charles de Foucauld disse: “Charles de Foucauld me parecia interessante como modelo para realizar a missão do cristão e da Igreja não apenas no deserto de Tamanrasset, mas também no deserto do mundo moderno: a missão por meio da simples presença cristã, na oração com Deus e na amizade com os homens”. “Charles de Foucauld é uma figura luminosa, e pode ser também um válido contrapeso diante do perigo de um emburguesamento e de uma tediosa banalização da Igreja” disse o cardeal.
Na espiritualidade de Charles de Foucauld não há espaço para espetacularização religiosa, ostentação mundana, pernosticismo intelectual e arrivismo.
Os apelos constantes do Papa Francisco para uma Igreja que saia da sua zona de conforto e se dirija às periferias foram vividos antecipadamente por Charles de Foucauld e, no seguimento de seus discípulos, pelas instituições que inspirou.
Em 13 de novembro de 2005, Charles de Foucauld foi beatificado na Basílica de São Pedro, em Roma. Aqui está um trecho do erudito Papa Bento XVI na beatificação do “Irmão Universal”, em meio a uma multidão:
Queridos irmãos e irmãs em Cristo,
“Vamos dar graças ao testemunho dado por Charles de Foucauld. Em sua vida contemplativa e escondida em Nazaré, ele descobriu a verdade sobre a humanidade de Jesus e convida-nos a contemplar o mistério da Encarnação; neste lugar, ele aprendeu muito sobre o Senhor, a quem ele queria seguir com humildade e pobreza. Ele descobriu que Jesus, que veio para se juntar a nós na nossa humanidade, nos convida a fraternidade universal, que ele posteriormente viveu no deserto do Saara, e ao amor, do qual Cristo nos deu o exemplo. Como sacerdote, ele colocou a Eucaristia e o Evangelho no coração de sua vida, as duas mesas da Palavra e do Pão, fonte da vida cristã e da missão”.
Esse farol místico ilumina pela sua Espiritualidade de Nazaré multidões. Ele inspira de forma abissal a vida mística contemplativa como também avida ativa missionária. A Espiritualidade de Nazaré impulsiona os nossos pensamentos, palavras e ações expressem o seguimento de Jesus Cristo, levando-nos a vida ativa e contemplativa sempre mais e de forma profunda. De fato, esse legado de Charles de Foucauld é um grande tesouro para Igreja e para quem desejar caminhar com pleno sentido em sua vida.
Frei Inácio José do Vale
Professor e conferencista
Sociólogo em Ciência da Religião
Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas
Bem-aventurado Charles de Foucauld
(Español) NOTICIAS Y COMUNICACIONES Nº 210
(Español) Retiro de la fraternidad Iesus Caritas de Argentina, junio 2018. Néstor CRUZ GARCÍA
(Français) L’obéissance chez Charles de FOUCAULD. Pierre SOURISSEAU
(Français) Charles de FOUCAULD et les Péres Blancs. Philippe THIRIEZ, pb
Charles de Foucauld: “Meu Deus e meu tudo!”. Inácio José do VALE
Entre 1897 e 1898, Charles de Foucauld escreveu as Meditações sobre as virtudes a partir dos textos do Evangelho. Eis uma passagem que trata do tema da Encarnação, como o lugar primordial da entrega do amor de Jesus (Fonte: Deus de misericórdia, Edizioni San Paolo, tradução de Gian Franco Freguglia).
Tudo o que Jesus fez, ele fez por Deus, por seu amor e em obediência à sua vontade; mas com obediência a Deus, através do amor a Deus, graças à conformidade de seu coração a Deus, ele oferecia ao mesmo tempo todo momento, toda intenção de sua vida, seus pensamentos, suas palavras e suas ações para a santificação dos homens. Quanto mais ele amava a Deus, mais ele amava os homens que ele via no coração de Deus; quanto mais ele obedecia a Deus, mais ele amava os homens que Deus manda amar; quanto mais sua alma se conforma com Deus, mais ela queima com amor por todos os homens, porque Deus é amor.
… Assim, em cada instante da vida de Jesus, todos os seus pensamentos, suas palavras, suas ações – sendo oferecidos primeiramente a Deus para sua glória e realizados exclusivamente para ele, por amor a ele, em obediência à sua Em segundo lugar, todos aqueles oferecidos por Jesus para a santificação dos homens, e foram feitos para o amor dos homens, não para os homens, mas com um amor extremo dos homens e com um grande desejo de sua santificação… É com este amor, é com esse desejo que você nasceu, ou amado Jesus, ou doce Jesus-Filho, e você passou cada momento da sua vida como cada momento da sua eternidade, para que a palavra “desejo” possa ser aplicada à sua abençoada vida no céu… Todos os pensamentos, palavras, os atos de Jesus são, portanto, para nós, como exemplos de amor pelos homens, porque todos foram realizados neste amor e oferecidos a Deus para sua salvação… Ó Jesus, eu ofereço-te, como tu, ao teu Pai, a ti, ao Deus que ele é e que és todos os meus pensamentos, as minhas palavras e as minhas ações, todos os momentos da minha vida para a sua glória… Eu quero realizar tudo só para você, para o seu amor, em obediência à sua vontade… E eu os ofereço em segundo lugar para o bem, para a santificação, para a salvação de todos os homens, para você, porque eu quero amar todos eles instante da minha vida de um amor extremo, tanto quanto eu me amo, como você quer, com você, como você, obedecendo a sua vontade, para você, meu Jesus, meu amado, meu Deus e meu tudo! E oferecido a Deus por sua salvação… Ó Jesus, eu ofereço-te, como tu, ao teu Pai, a ti, ao Deus que ele é e que és todos os meus pensamentos, as minhas palavras e as minhas ações, todos os momentos da minha vida para a sua glória, seu… Eu quero realizar tudo só para você, para o seu amor, em obediência à sua vontade… E eu os ofereço em segundo lugar para o bem, para a santificação, para a salvação de todos os homens, para você, porque eu quero amar todos eles instante da minha vida de um amor extremo, tanto quanto eu me amo, como você quer, com você, como você, obedecendo a sua vontade, para você, meu Jesus, meu amado, meu Deus e meu tudo! E oferecido a Deus por sua salvação… Ó Jesus, eu ofereço-te, como tu, ao teu Pai, a ti, ao Deus que ele é e que és todos os meus pensamentos, as minhas palavras e as minhas ações, todos os momentos da minha vida para a sua glória… Eu quero realizar tudo só para você, para o seu amor, em obediência à sua vontade… E eu os ofereço em segundo lugar para o bem, para a santificação, para a salvação de todos os homens, para você, porque eu quero amar todos eles instante da minha vida de um amor extremo, tanto quanto eu me amo, como você quer, com você, como você, obedecendo a sua vontade, para você, meu Jesus, meu amado, meu Deus e meu tudo!
Refletindo
Charles de Foucauld colocou no centro da Espiritualidade de Nazaré a encarnação do Evangelho. Sua teologia é a expressão abissal do amor de Deus a humanidade e nossas ações para com todos. Tudo pelo amor e o amor é tudo. Deus é amor e nós somos amados para amar sem medida!
A vida de Charles de Foucauld foi um entrega radical no amor a Deus. Toda sua jornada foi fundamentada na busca ardente de Deus e na comunhão amorosa praticada para com todos em ações como: viver como pobre no meio dos pobres e ajudando eles com solicitações de recursos de parentes e amigos; no deserto, pelo exemplo testemunha o Evangelho de Cristo; a prática eucarística, adoração, oração, silêncio; Escreve sobre o Evangelho e sobre a cultura local; no seu eremitério acolhe a todos. Sua vida e sua obra são tesouros que cujo legado enriquece seus discípulos simpatizantes no mundo inteiro.
Frei Inácio José do Vale
Professor e conferencista
Sociólogo em Ciência da Religião
Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas
Fraternidade do Bem-aventurado Charles de Foucauld
(Español) Boletín verano 2018: papa Francisco y ecumenismo
(Español) Hermano es ser también responsable del otro. Open Hands, junio 2018. Aurelio SANZ BAEZA
Charles de FOUCAULD o fracasso e o deserto. Inácio José do VALE
“Charles de Foucauld é um dos melhores ícones do fracasso, porque preferiu os últimos postos aos primeiros, a vida oculta à pública, a humilhação à exaltação. Por tudo isso, Foucauld é essa imagem na qual todos os fracassados da história podem se reconhecer. E por tudo isso vejo, muitas vezes, as pessoas do mundo caminhando em uma direção e Foucauld na contrária. Mas não é o único; há outros com ele, todos solitários, todos loucos. E o primeiro dessa fila é o próprio Jesus Cristo, o mais louco de todos”, escreve Pablo d’Ors, sacerdote, escritor e conselheiro cultural do Vaticano.
Charles de Foucauld é um padre do deserto contemporâneo. Sua vida e obra, que bebem da espiritualidade de figuras da estatura de Agostinho, Bento, Francisco e Inácio, remontam aos padres do ermo que povoaram os desertos da Síria e do Egito durante os primeiros séculos do cristianismo. Para entender Foucauld em sua verdadeira dimensão, há que irmaná-lo com Dionísio, o Areopagita e Efrém da Síria, com Isaías, o Anacoreta ou Gregório de Nazianzeno. A fonte da qual beberam estes padres do deserto e que mais tarde concretizaria o movimento hesicasta foi à mesma da qual o irmão Charles também bebeu, cuja missão –essa é minha tese – não foi a de fundar algo radicalmente novo, mas a de inaugurar para o Ocidente um caminho contemplativo que havia ficado no Oriente cristão, em particular na república monástica do monte Athos. No meu modo de ver, Foucauld recebeu a colossal tarefa de recuperar essa milenar tradição de sabedoria e de atualizá-la. Por isso mesmo, sua obra não fez mais que começar.
Deserto
Foucauld se converteu na África do Norte, admirando a extraordinária religiosidade dos muçulmanos. Entendeu o deserto primeiramente em forma de metáfora, daí que buscava ser monge, inicialmente, em Ardèche, e depois em Akbès e até na Terra Santa; mas depois voltou ao deserto do Saara, o de sua juventude, a seu amado Marrocos e a sua desejada Argélia. E era ali que o destino e a providência lhe esperavam. Talvez porque poucas localidades da terra, ao estar tão desoladas, podem evocar e remeter com tanta força ao mundo interior. Foucauld é um sinal permanente de como sem deserto e purificação não há caminho espiritual.
Adoração
Em meio a esse deserto, Foucauld adora. Esta é uma palavra que hoje nos é estranha, mas adoração significa, pura e simplesmente, que o homem não se realiza pela via do ego, mas saindo do próprio micromundo e superando essa tendência tão nefasta como generalizada à apropriação e autoafirmação. Adoração quer dizer tão somente deixar de viver a partir do pequeno eu para dar passo rumo ao eu profundo, onde mora o hóspede divino. Saibam ou não, todos os que buscam o mistério por meio da meditação tem – temos – em Charles de Foucauld um mestre insigne. Amou muito porque silenciou muito. Falamos dele porque se esvaziou de si.
O amor a Jesus de Nazaré
A vida deste homem foi totalmente rara. Foucauld não se parece com ninguém. Dizia de si, segundo as épocas, que queria ser monge ou eremita, mas o certo é que viajou muitíssimo, que passou por diferentes lugares, que foi um peregrino estrutural. Na história, poucos homens como Foucauld deixaram um testemunho escrito tão eloquente de seu apaixonado amor por Jesus de Nazaré. O nome de Jesus, como um incansável mantra, acompanhou Foucauld durante quase todos os minutos de sua vida. Só há uma palavra que explica a incrível aventura humana de Foucauld: Jesus.
Fracasso
Ao término de sua vida, pouco antes de ser assassinado, Foucauld se encontra com as mãos felizmente vazias. Seria possível dizer que ao longo de sua existência colheu um fracasso após outro: foi o último de sua promoção no Exército, do qual, repetidas vezes, esteve a ponto de ser expulso por seus escândalos e indisciplina. Fracassou também como patriota e abortou sua vocação de explorador, desperdiçando uma brilhante carreira profissional. Monge fracassado da trapa de Heikh. Fracassado também em seu quimérico projeto de adquirir o monte das Bem-aventuranças para se instalar ali como eremita. Nenhuma só conversão após anos de apostolado. Nenhum só seguidor após ter redigido tantos esboços de uma regra para seus projetados eremitas. Ignorado pela administração civil e pela eclesiástica, nenhum escravo redimido, nenhum companheiro para sua missão…
Foucauld é um dos melhores ícones do fracasso, porque preferiu os últimos postos aos primeiros, a vida oculta à pública, a humilhação à exaltação. Por tudo isso, Foucauld é essa imagem na qual todos os fracassados da história podem se reconhecer. E por tudo isso vejo, muitas vezes, as pessoas do mundo caminhando em uma direção e Foucauld na contrária. Mas não é o único; há outros com ele, todos solitários, todos loucos. E o primeiro dessa fila é o próprio Jesus Cristo, o mais louco de todos.
“Mas é somente no fracasso que se pode pensar a imitação de Cristo, do messias que morreu na cruz como um malfeitor”, afirma a historiadora italiana Lucetta Scaraffia, professora da Universidade de Roma “La Sapienza”.
Fracasso
Nem todo fracasso é um fiasco.
Nem toda fraqueza é moleza.
Nem toda derrota é bancarrota.
Nem toda desilusão é perdição.
Nem toda traição é escuridão.
Nem toda solidão é em vão.
Nem toda humilhação é exclusão.
Nem toda intuição é sem conclusão.
Nem toda intensidade é o tempo da vontade de Deus.
(Frei Inácio José do Vale)
A existência tem enigmas e a vida de fé mistérios. Vai além da razão humana os desígnios de Deus. O ser humano propõe e Deus dispõe. Nem todos os projetos são realizáveis, no entanto, fica algo de lição. No plano da imanência muitas coisas podem ser feitas, já no plano transcendental já estão feitas. A concretização dos fatos é apenas a permissividade de Deus. O mais importante no ser humano é sonhar, buscar, sair de si, aventurar, fazer as coisas com amor e paixão e ter consciência que tudo pode acontecer… Primeiro o reino de Deus, amar o próximo e aguardar os encantos de Deus. Em tudo isso Charles de Foucauld foi discípulo exemplar.
Frei Inácio José do Vale
Professor e conferencista
Sociólogo em Ciência da Religião
Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas
Fraternidade do Bem-aventurado Charles de Foucauld
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com
Fontes:
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/563037-charles-de-foucauld-as-sete-palavras-para-hoje-de-um-padre-do-deserto
Foucauld, Charles de. Meditações sobre o evangelho. Lisboa: círculo do humanismo cristão, 1962.
Annie de Jésus. Charles de Foucauld: nos passos de Jesus de Nazaré. Vargem Grande Paulista, SP: Editora Cidade Nova, 2004.